São Paulo, domingo, 27 de julho de 2003 |
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TENDÊNCIAS/DEBATES Cresce a voz do Brasil
JOSÉ MAURICIO BUSTANI
A posição britânica em favor da expansão do conselho e do ingresso do Brasil e de outros representantes das regiões em desenvolvimento reflete, a um só tempo, o reconhecimento das deficiências do atual arranjo institucional e a visão de que a ONU, a despeito de limitações e percalços, se não existisse, teria de ser inventada, como declarou Tony Blair à Assembléia do Milênio. Também parece claro ao Reino Unido, assim como ao Brasil, que a idéia de reforma não pode prescindir da superação do anacronismo que hoje caracteriza o principal órgão do sistema onusiano. A guerra contra o Iraque, a despeito de todos os obituários da ONU e do CSNU que se produziram freneticamente, antes serviu para confirmar a relevância do conselho e a urgência de reformá-lo. Como afirmou o ministro Celso Amorim, esse não é um objetivo deste ou daquele país. É uma necessidade do próprio sistema internacional. O Reino Unido dá sinais auspiciosos de que tem a correta percepção do desafio. O apoio britânico tem significado especial não somente à luz do papel crucial que o Reino Unido desempenha agora no cenário internacional, mas também em função do histórico da cooperação multilateral entre os dois países e de nossas relações bilaterais intensas e profícuas. Embora o passado mais recente tenha evidenciado percepções diferenciadas, em particular no tocante à questão iraquiana, as afinidades dão a marca do relacionamento entre os dois países. O primeiro-ministro britânico costuma reiterar a ambição do Reino Unido de atuar como uma força para o bem no mundo. A consecução desse objetivo pressupõe, na visão do Brasil, o fortalecimento do multilateralismo em trajetória de crescente democratização das relações internacionais. Ao manifestar seu apoio, o Reino Unido endossa essa visão do imperativo de democratização do sistema multilateral. Sinaliza também, em sintonia com os valores e princípios que orientam a diplomacia do presidente Lula, que o Brasil não precisa necessariamente "concordar" para ser aceito e respeitado como ator e interlocutor de relevância. A superação dos graves problemas que hoje enfrenta a comunidade internacional não se presta a decisões que desconsiderem a complexidade dos fatos, a diversidade de opiniões e as regras multilaterais. Em um mundo cada vez mais complexo, novos desafios à segurança internacional agregam-se a uma agenda anterior, não cumprida, na qual se destacam as próprias causas da insegurança: a fome, a carência de oportunidades, as desigualdades crescentes, as epidemias, como a da Aids, que assolam regiões inteiras do planeta, a percepção de iniquidade de um sistema que hoje exige vontade política e compromisso com a mudança. Ao drama de conflitos persistentes no Oriente Médio, na Ásia e na África, soma-se o cenário alarmante da ameaça pelas armas de destruição em massa, sejam aquelas de posse dos Estados, sejam aquelas que eventualmente caiam nas mãos de grupos terroristas. A comunidade internacional não pode recuar em seus esforços pelo cumprimento das obrigações de desarmamento e não-proliferação consagradas nos tratados regionais e globais. Nesse contexto, a reforma do Conselho de Segurança, cujos atuais cinco membros permanentes são os que têm, à luz do Tratado de Não-Proliferação Nuclear, status de potências nucleares, deve ser vista ainda como elemento de injeção de impulsos de revitalização e fortalecimento da ONU como um todo. Como membro não-permanente pela nona vez, o Brasil voltará a integrar o Conselho de Segurança por mais um biênio, em janeiro de 2004. Consideramos nossa contribuição às deliberações do conselho uma valiosa oportunidade. Buscaremos, como sempre, uma atuação engajada e construtiva. Atuaremos em sintonia com as aspirações que nos mobilizam no plano interno, em defesa de soluções que permitam gerar condições sustentáveis de paz, justiça, segurança e estabilidade no plano internacional. Os objetivos de atuação em defesa do direito internacional e de respeito e fortalecimento do sistema multilateral, sem os quais corremos o grave risco da anarquia ou da autocracia, darão o norte de nossa atuação no conselho, agora e sempre. Para o Brasil, são motivo de grande preocupação as tendências de favorecimento de soluções "ad hoc" para problemas como a ameaça das armas de destruição em massa, em detrimento de regras e procedimentos legais e legítimos, como consagrados no direito internacional. Precisamos atuar em caráter permanente a fim de contribuir, pela via do diálogo e da negociação, para a discussão de novas perspectivas que favoreçam a concertação democrática entre as nações a partir da ONU. A idéia da inclusão do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança remonta às discussões de Dumbarton Oaks, em 1944. O resultado das negociações levou a uma configuração com cinco membros permanentes, que hoje salta aos olhos como em total falta de sintonia com as realidades de poder no mundo. O Reino Unido, ao apoiar o Brasil, demonstra estar ciente do déficit de representatividade e legitimidade do conselho, que resulta em reconhecido déficit de eficácia, na contramão dos propósitos para os quais foi concebido o órgão encarregado de zelar pela paz e segurança internacionais. José Mauricio Bustani é o embaixador do Brasil no Reino Unido. Texto Anterior: Frases Próximo Texto: Domenico De Masi: Falta alguém na Piazza Navona Índice |
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