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Editoriais
A cartada do Brasil
Itamaraty acerta ao distanciar-se de parceiros tradicionais na tentativa de salvar a liberalização do comércio agrícola
COM A crise dos alimentos
à porta, parece que
emergiu o desejo político de concluir a Rodada
Doha, da Organização Mundial
de Comércio (OMC). Um acordo,
ainda que modesto em relação à
expectativa inicial, evitaria o enfraquecimento maior do sistema
multilateral de comércio.
As negociações em Genebra
estão concentradas em uma nova proposta de liberalização da
agricultura e da indústria apresentada na sexta. Na esfera agrícola, os Estados Unidos aceitam
reduzir em 70% seus subsídios,
limitando-os a US$ 14,5 bilhões
ao ano. A União Européia compromete-se com um corte de
80%, restringindo-os a 24 bilhões por ano.
Em escala mundial, as tarifas
agrícolas mais altas seriam reduzidas em 70%. Apenas produtos
designados como "sensíveis" poderiam ter alíquota acima de
100%. A proposta de sexta permite que países desenvolvidos
classifiquem como sensíveis até
4% dos produtos. Em contrapartida devem aumentar suas cotas
de importação nos mesmos 4%.
Países em desenvolvimento podem classificar como especiais
até 12% dos produtos.
No âmbito industrial, os países
desenvolvidos limitariam suas
tarifas a 8%. Países em desenvolvimento teriam três opções de
escolha. No caso dos emergentes, como o Brasil, a contrapartida seria participar de pelo menos dois acordos setoriais de liberalização industrial.
Em razão de ser um dos principais beneficiários de uma abertura agrícola, o Brasil decidiu
afastar-se de parceiros tradicionais e apoiar a proposta, unindo-se a EUA, União Européia e Japão. A cartada reabriu a possibilidade de concluir negociações
que já duram sete anos. Trata-se,
agora, de convencer os demais.
A Índia resiste diante de sua
gigantesca população rural: quase 800 milhões de indianos ainda vivem no campo. Nova Déli
teme que o aumento abrupto das
importações acelere o êxodo rural e amplie a miséria urbana. A
China, por sua vez, exige que os
acordos setoriais para reduções
tarifárias na indústria sejam
apenas voluntários. A Argentina
requer mais proteção para sua
indústria nos cortes tarifários
para o Mercosul já aceitos por
Brasil, Uruguai e Paraguai.
Ao distanciar-se momentaneamente de Índia, China e Argentina, o Itamaraty entendeu, a
tempo de tentar salvar Doha,
que o jogo de negociações comerciais não pode ser travado
com base na rigidez de esquemas
geopolíticos ultrapassados.
Quando estão em conflito vários
interesses econômicos distintos,
o que importa para as alianças é
o raciocínio tático, que nem
sempre antepõe ricos a pobres.
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