Lista de textos do jornal de hoje Navegue por editoria
Análise
Orçamento é tratado como mera autorização de gastos
GUSTAVO PATU DE BRASÍLIANão foi por falta de leis que se tornou chavão acusar o Orçamento brasileiro de ser uma "peça de ficção", na qual despesas e receitas são previstas sem maior compromisso com seu cumprimento.
Foi para a comodidade do Executivo e do Legislativo que se convencionou tratar a lei orçamentária como uma mera autorização de gastos --não há nada a esse respeito na Constituição.
Graças a essa interpretação, o governo pode contornar suas deficiências gerenciais e prever, a cada ano, mais obras e metas do que será capaz de realizar.
São obrigatórios planos plurianuais com planejamento e metas, mas é mais fácil inflar as verbas disponíveis antes e descobrir o que é possível fazer depois.
A legislação também impõe projeções econômicas atualizadas periodicamente, metas fiscais e bloqueios preventivos de despesas.
Nada que impeça autoridades de superestimar com regularidade as expectativas para expansão do PIB e da arrecadação, quando o objetivo é evitar más notícias.
Com a redemocratização, deputados e senadores ganharam o direito de modificar a proposta orçamentária, mas trataram de escapar do ônus de definir prioridades.
Pelo texto constitucional, as emendas parlamentares deveriam ter como contrapartida a derrubada de despesas do projeto do governo.
Para fugir de brigas desse tipo, os congressistas usam sistematicamente a brecha que permite reestimar a receita --sempre para cima, com ou sem fundamento técnico.
Nenhum dos Poderes tem interesse em alterar esse arranjo. O que está sendo apresentado como uma proposta de Orçamento impositivo apenas torna obrigatória a execução da parcela das despesas de interesse mais imediato da micropolítica.
Muda-se mais a relação entre o Planalto e os partidos do que a qualidade do processo orçamentário --e isso se essa não se tornar apenas mais uma lei a ser contornada.