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Análise
Hierarquia rígida da Apple se mostra seu maior entrave
Moldada para ser controlada por Steve Jobs, empresa se perde após a morte de seu líder
Nessa trajetória de declínio da Apple, o mais interessante é o porquê. A mudança óbvia é a perda de Steve Jobs, no fim de 2011. Desde então, vimos diversos equívocos que conduziram à recente reorganização que resultou nas demissões do chefes das divisões de software, Scott Forstall, e de varejo, John Browett.
A maioria das jovens empresas de tecnologia adota uma filosofia de trabalho da qual o Google é exemplo: comunicações internas abertas, decisões tomadas por escalões mais baixos da hierarquia sempre que possível e muita colaboração entre os membros das equipes.
A Apple é o oposto, uma companhia altamente sigilosa, ao ponto da paranoia. Tem hierarquia rígida. As decisões vêm de cima e são aplicadas rigorosamente, com grande interferência e instruções detalhadas. Foi feita à imagem de Steve Jobs, e para ele era importante o controle sobre tudo o que acontecesse na Apple.
No Google, os produtos são criados por equipes em larga medida autônomas, por isso há pouca coesão entre eles. A Apple cria produtos altamente integrados, projetando tudo, dos processadores ao design. Mas depende da visão e da criatividade de quem comanda o processo.
A FORÇA DO CHEFE
A Apple tinha Steve, gênio que dominava a concepção e o marketing dos produtos. Ele garantia a qualidade do que a Apple fazia. Usava as vantagens de uma organização centralizada para obter efeitos impressionantes. Capturava o talento de funcionários e o direcionava a concretizar sua visão singular do futuro.
Por meio de uma combinação de inspiração, medo e brilhantismo, Jobs transformou a Apple na maior empresa de tecnologia de nossa era.
Mas a estrutura organizacional que permitia que ele exercesse seu poder de modo tão efetivo agora se transformou em desvantagem.
Não há quem possa ocupar o lugar de Steve -ainda que alguns, em especial Forstall, tenham tentado. Agora não só Tim Cook demitiu Forstall como o fez por um ambiente mais "colaborativo".
A Apple é o oposto do Google, que é aberto, colaborativo e ligeiramente desorganizado. A empresa funcionava porque era uma ditadura. Mas ditaduras sem seus líderes tendem a se dissolver em disputas internas, intrigas e ineficiência. Esse pode ser o futuro da Apple.
PARA ONDE VAI?
A empresa, porém, tem muitos funcionários brilhantes que acreditam na visão de Steve para ela. Tem reservas de caixa quase inimagináveis e gera lucros insanamente elevados. Também produz computadores, tablets e celulares de altíssima qualidade que os consumidores fazem fila para comprar.
E já demonstrou que consegue reverter crises do modo mais dramático. Em 1996, estava a dois ou três anos de ser vendida a preço de banana e de se tornar mais uma nota de rodapé de página na história da computação. Mas em 2002 já estava a meio caminho de se tornar a mais dominante empresa do planeta. O que foi feito uma vez pode ser repetido.
Mas a perda de Steve foi devastadora -toda a empresa foi construída em torno dele, e os erros atuais indicam uma organização altamente hierárquica tentando encontrar um caminho sem seu líder.
Em retrospecto, consideraremos que o auge de inovação e liderança da Apple ocorreu no início de 2012.
Depois disso, ainda que a empresa continue a desfrutar de grande sucesso, a criar novos e excelentes produtos e a faturar muito dinheiro, o ritmo vai se desacelerar, mais erros acontecerão, e ela não recuperará a eficiência e o brilhantismo da primeira década do milênio.