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J. P. Cuenca
Dentro da neblina
Festa que celebra o solstício de verão na Suécia leva todos ao interior; grandes centros ficam abandonados
O Midsommar na Suécia é uma espécie de Natal em junho --só que mais importante. Para participar da festa popular que celebra o solstício de verão e o ciclo de fertilidade que o acompanha, os suecos viajam para o interior, vestem roupas típicas, erguem um mastro coberto com folhas e flores e dançam ao seu redor como bons pagãos ao som de música tradicional.
Depois colhem os primeiros morangos silvestres da estação e bebem snaps (bebida típica) até cair. Come-se também bastante arenque, batata e carne de caça da região --ou pelo menos foi assim na casa que generosamente me acolheu.
O feriado acontece na primeira sexta-feira entre os dias 19 e 26 de junho a cada ano, quando as grandes cidades do país são abandonadas pela sua população. Em Estocolmo, sobram as gaivotas.
Partimos de carro rumo a uma casa de campo ao lado do Castelo de Salsta, na região de Uppsala. Depois de um desvio na rodovia, o verde: planícies, pasto, vacas e ovelhas. Não há céu de Brasília que se compare. Aqui a visibilidade é maior e as formas brilhantes das nuvens se espalham por um azul cujo horizonte parece não ter fim.
Olhar o céu da Escandinávia pela primeira vez num dia claro é como descobrir que você usou óculos com o grau errado a vida inteira.
Num vilarejo de aproximadamente 600 habitantes, testemunhei jogos de cabo de guerra entre povos vizinhos. A tradição, como tudo aqui, é bem mais antiga que o meu país. Uma das equipes forasteiras vestia-se como romanos e entrou fazendo barulho, com cuspidor de fogo, moças de minissaia e batucada em ritmo marcial. Usavam instrumentos de samba, alguns repiniques e bumbos importados do Brasil, mas não quebravam o ritmo. Aquela ausência de síncope ou balanço foi me deixando irritado. Eu estava mesmo disposto a arrancar a caixa das mãos de um dos suecos e ensinar uma levada de samba, suingando as semicolcheias etc.
É nesses detalhes que manifesta-se o brasileiro interior.
Foi o Midsommar mais frio dos últimos cem anos na Suécia. Durante o dia as temperaturas ficaram em torno de 15°C e à noite tenderam a zero. Na madrugada clara do solstício de verão fizemos uma festa na sala de casa e, surfando na onda da psicodelia, vestimos casacos antes de sair às brumas do descampado.
Sob o sol das 3 da manhã, caminhamos sobre o orvalho congelado do campo, pulamos cercas, ultrapassamos pontes sobre córregos enevoados. Depois, desafiamos temperaturas extremas numa sauna finlandesa dentro de um estábulo e numa piscina a céu aberto. Ao final, um fantasma nos espreitou pela janela de uma das torres do castelo e corremos, atravessando colchões e colchões de neblina.
Mas a neblina é um pouco como a felicidade, só se vê de longe, nunca de dentro.