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PAÍS SEM MEMÓRIA
"Pantanal" e os primeiros programas de Xuxa e Angélica estão lacrados e sem conservação
Acervo da Manchete está se perdendo
MARCELO BORTOLOTI
FREE LANCE PARA A FOLHA
NO PROCESSO de falência da
Bloch Editores, quem acabou condenado foi o acervo de imagens da extinta TV Manchete, que pertencia ao mesmo grupo. A maior parte das fitas da
emissora ficou presa no prédio da Bloch,
lacrado pela Justiça, sob péssimas condições de conservação. Entre as obras que
se deterioram no local há um ano, estão
novelas como "Pantanal", "Dona Beija"
e "Xica da Silva".
A TV Manchete vendeu sua concessão
para o Grupo Ômega (Rede TV!), mas
todos os ativos, incluindo equipamentos
e o acervo de imagens, foram comprados
pela Hesed Participações, empresa de
Fábio Saboya. Ele afirma que estava fazendo o levantamento das fitas quando
foi expulso do prédio por oficiais de Justiça. O edifício foi lacrado no processo de
falência, e tudo o que estava lá dentro
passou para a responsabilidade da massa
falida da Bloch Editores. "O ar condicionado e os aparelhos de desumidificação
foram desligados. Todo o material está
estragando", diz Saboya.
O juiz Walter Soares, que responde pela massa falida, não quis dar entrevista.
Mas o TV Folha apurou que todo o patrimônio contido no prédio foi arrecadado para o pagamento de dívidas trabalhistas e irá a leilão. O material está em fase de catalogação, e não há previsões para que saia de lá.
Mesmo que Flávio Saboya consiga na
Justiça o direito de retirar as fitas do edifício, será necessária uma longa auditoria para separar deste acervo o que é pertencente à Bloch Som e Imagem, uma
terceira empresa, também detentora de
imagens de algumas novelas produzidas
pela Manchete.
Neste processo kafkiano, a morosidade
da Justiça não é o único complicador,
também falta interesse dos proprietários.
Saboya reconhece que o valor comercial
do acervo não é mais suficiente para cobrir seus custos. Segundo ele, para manter as quase 98 mil fitas em local aclimatado, seriam necessários pelo menos R$
30 mil por mês. "Já propus até doar esse
material para um órgão competente,
porque, como lucratividade para a minha empresa, não é mais interessante",
diz.
O documentarista Nelson Hoineff, que
produziu programas exibidos pela Manchete, como o "Documento Especial",
acha difícil a recuperação do acervo.
"Até hoje não se olha para a TV culturalmente, ela ainda é vista como um veículo
efêmero", diz.
Ana Olivero, chefe de arquivo da TV
Manchete, se diz magoada com a situação. "Eu implantei aquele sistema de
conservação de fitas em 83. Desde então,
mantínhamos tudo a uma temperatura
de 18 graus e com quatro desumidificadores ligados 24 horas por dia. Se isso foi
desligado, pode haver perda total do material por fungos e umidade", afirma.
Além das novelas, o acervo conta com os
primeiros programas das carreiras de
Angélica, Xuxa, Carolina Ferraz, entre
outros. "É a memória televisiva do Brasil,
do período que vai desde a saída do regime militar até a democratização do
país", diz Olivero.
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