|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
I belong to... pelo amor de Deus!
EUGÊNIO BUCCI
CREDO EM cruz! Ao final daquela partida lá, aquela tal
de domingo passado em que o Brasil se sagrou campeão depois de ganhar da Alemanha, uns jogadores
arrancaram a camiseta oficial da seleção brasileira e,
por baixo, tinham outra. Sim, vestiam outra camisa por baixo
da camisa que vestiam. E essa outra camisa era merchandising religioso. Uma delas trazia a seguinte mensagem: "I belong to Jesus". Oh, God. Eu me lembrei de Ella Fitzgerald cantando "my heart belongs to daddy", da música de Cole Porter,
e senti que a voz da cantora era
mais angelical. Um segundo futebolista, este mais alto, preferiu
outros dizeres: "Jesus (coraçãozinho) you". Incredible! Qu'é qu'é
isso, Cafuringa? Nos rescaldos da
final de campeonato, a tela da
Globo se converteu, de súbito, numa incomensurável tela da Rede
Record. Aquilo virou um megaculto da Igreja Universal.
Há quem tenha visto espontaneidade na comemoração dos canarinhos. "É o jeito brasileiro", diziam os animadores esportivos de
sempre. O que é exatamente o
"jeito brasileiro"? Dizem que é o
"improviso", a "descontração", a "alegria" que "éééééé.... duBrasil!" Tocaram lá a musiquinha que fazia fundo para as vitórias de Ayrton Senna na Fórmula 1. Tentaram esconder a figura insistente de Ricardo Teixeira, o dono da taça, enquanto
o pessoal chorava. Tentaram em vão. Teixeira acabou dando
entrevista em destaque e tudo virou um grande carnaval sem
culpados. Vai ver que isso tudo junto é o "jeito brasileiro" de
ser, mas há mais no meio da bagunça. Há algo que não tem
nada de Brasil e que tem tudo de não-Brasil. Religiões eletrônicas, que se promovem pelos meios de comunicação de massa e que são fábricas do dinheiro de poucos e do gozo das multidões, são um fenômeno da indústria cultural em moldes
americanos. São tão brasileiras quanto a Nike. O que aqueles
atletas encenaram no meio do gramado não foi uma inocente
expressão de fé (coisa que também não tem pátria, graças a
Deus), mas uma descarada jogada de marketing. O que se
manifestou no episódio não foi o Espírito Santo, mas uma
propaganda diabólica.
Nós, brasileiros, já temos de suportar a marca de patrocinadores na camisa que deveria representar apenas uma nação.
Já é um desaforo. Agora existe aí a modalidade da propaganda infiltrada. E parcial. Já que isso vale, por que propaganda
só de Jesus? Por que não de Xangô? E por que não de Buda?
Aqueles atletas que vestiram a camisa do Brasil tendo outra
por baixo eram os homens-bomba do simbólico. Não levavam explosivos propriamente ditos, mas, disfarçados
de futebolistas brasileiros, esconderam sua verdadeira camisa até o instante final, quando então "explodiram": eram
propaganda contrabandeada.
"I belong to Jesus", ora, por favor. E a gente aqui achando
que o sujeito pertencesse ao time do Brasil, que ele representasse o país.
A fusão da religião com a TV
é tão antidemocrática quanto a
fusão entre Estado e Igreja.
Transformado em espetáculo, o discurso religioso ensandece,
invade as esferas individuais e ganha tons totalitários. É bem
possível que os homens-bomba do simbólico pretendam que
esse "Jesus" de suas camisetas seja unânime, total, compacto e
que, portanto, jamais possa ser visto como "penetra" na festa
de ninguém. Ai de quem for contra "Jesus", eles proclamam.
E pronunciam o nome com força, com tanta força que a palavra soa estranha, soa "Xessôs", como se fosse nagô. Como se
fosse a serenidade se transformando em fúria. O amor em
ódio. A fé em fanatismo.
Enquanto isso, pobre de quem acreditava que o Estado fosse laico. Pobre de quem acreditava que a seleção brasileira representasse os brasileiros de todas as religiões. Pobre do torcedor. Esses propagandistas dissimulados. Na próxima Copa,
que façam comercial do diabo de uma vez.
Texto Anterior: Astrologia - Barbara Abramo Próximo Texto: Filmes Índice
|