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Exilados da aldeia global
Zulmair Rocha/Folha Imagem
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A família da lavadeira Maria José da Silva, que teve sua televisão inutilizada por uma enchente na favela da Maré (Rio) há quatro anos, e hoje ouve novela pelo rádio |
Gente que não assiste à televisão por opção ou por problemas financeiros
fala da vida sem esse eletrodoméstico
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MARCELO BORTOLOTI
FREE LANCE PARA A FOLHA
EXISTE vida sem televisão. Mesmo
numa época em que é cultuada na
maioria das casas -pelo último censo
do IBGE, há televisores em cerca de 87%
(38.906.707) dos domicílios brasileiros-, a TV não tem vez em muitos lares,
seja por motivos religiosos, ideológicos
ou financeiros.
A cineasta Suzana Amaral, diretora do
premiado "A Hora da Estrela" (1985) e
que recentemente lançou "A Espera de
uma Vida", tem aversão à televisão.
"Não suporto ficar parada em frente a alguma coisa que não estimule minha imaginação", diz.
Suzana mora sozinha. Quando os filhos aparecem para uma visita e ligam o
aparelho, ela se isola no quarto atrás de
um livro: "Se ainda fosse uma televisão
que desse alguma contribuição pelo menos estética ou social...".
"Não assisto por achar os programas
horrorosos", diz o escritor João Ubaldo
Ribeiro, que teve duas obras -"O Sorriso do Lagarto" e o conto "O Santo que
Não Acreditava em Deus"-, adaptadas
para a TV. Habituado a dormir cedo, ele
lê ou trabalha na parte da noite em que a
família se reúne na frente da televisão.
"Encontro em festas algumas estrelas famosas e, como não as reconheço, elas ficam ofendidas", diz.
"A melhor coisa que existe na TV é o
botão de desligar", concorda o cartunista
Jaguar, que nunca teve televisão; prefere
a leitura. "A televisão até seria interessante se eles não decidissem que as pessoas que assistem são um bando de retardados", afirma.
O auxiliar de hotelaria Josualdo Souza
Santana, morador de Caraíva, no litoral
sul da Bahia, não tem televisão há sete
anos. "A questão da gente é desligar do
mundo. A TV só dá notícia ruim", diz. A
cidadezinha não tem luz elétrica e, segundo Josualdo, das 300 famílias que
moram ali, apenas cinco possuem televisores, alimentados por gerador.
Overdose
O último censor do regime militar, Coriolano Fagundes, passou
35 anos vendo cinema e televisão por
conta de seu ofício. "Eu via por obrigação profissional e acabei tendo uma
overdose", conta o aposentado.
Fagundes virou pastor evangélico.
Agora , gasta seu tempo ouvindo música
clássica ou evangélica e lendo a Bíblia. "A
TV é um fator de desagregação da família. Hipnotiza as pessoas e ninguém se
comunica. As novelas passam mensagens torpes", censura o
ex-censor.
Laura Bacelar, editora
do selo GLS, também
não assiste: "Sou lésbica
e acho os programas insuportavelmente heterossexuais".
Ela gasta suas noites
fazendo cursos ou, no
máximo, assistindo a
um filme no videocassete. "Tenho uma conversa mais inteligente com a minha pizza",
critica.
"A TV é diabólica", radicaliza o devoto
da Assembléia de Deus Jorge Reis. Aposentado, ele mora com a esposa, duas filhas e dois netos, e, há
23 anos, não possui televisão. "Aqui ninguém assiste. Quem
quiser, tem de assistir
em outro lugar", impõe o religioso.
Na casa dele, todos
dormem antes das
22h, e o lazer é a música ou o diálogo. "No
ritmo em que a TV se
encontra, está como
"Sodoma e Gomorra", uma verdadeira
baixaria", afirma Jorge.
Ideologia
O militante anarquista
Robson Achiame acha que "a TV expande a ideologia capitalista
no mau sentido, aquele
capitalismo selvagem e
maluco". Ele acredita que
a televisão tira de muitos
o tempo para namorar,
ler ou se divertir. "É tudo
conduzido para uma burrificação geral", discursa.
A lavadeira Maria José
da Silva, moradora da favela da Maré, no Rio de
Janeiro, até gosta de televisão, principalmente do "Programa do
Ratinho" (SBT). Entretanto, há quatro
anos, seu barraco foi inundado, e a TV
não resistiu.
Como não gosta de incomodar a vizinhança, à noite Maria prefere ficar em
casa com os três netos. "Ligo o meu radinho, coloco o cachimbo na boca, e ficamos contando histórias; depois, vamos
dormir", diz.
No barraco, todos dormem às sete da
noite e acordam às cinco da manhã.
Quando sobra um tempo, Maria José
aprecia uma novelinha. No rádio. "A vida é assim: a gente se acostuma com tudo", diz.
Culpa
"Ficar paralisado na frente da
TV gera um constante sentimento de
culpa por não estar fazendo nada", afirma o guitarrista Rafael Bittencourt, do
grupo Angra. Além da falta de interesse,
ele não assiste por estar constantemente
em shows ou gravações: "Até em países
desenvolvidos a TV aberta é muito
ruim".
O "base jumper" Luiz Tapajós, o Sabiá,
é um esportista radical que salta de penhascos e edifícios, já teve um quadro no
"Domingão do Faustão" e, atualmente, é
cinegrafista do ESPN Brasil. Mas, apesar
de gostar de TV, não assiste por falta de
tempo. "Não me imagino sentado assistindo a uma novela", diz.
A atriz Cristiane Torloni, que já atuou
em 15 novelas e vai protagonizar a trama
que substituirá "Esperança" na Globo, se
diz orgulhosa do seu trabalho na teledramaturgia, mas só assiste à televisão homeopaticamente.
Ela reconhece que sua profissão exige
que veja TV e acha até que o meio está
mais democrático, entretanto não consegue ficar sentada por muito tempo diante do aparelho. "Quando chego em casa,
tenho milhares de outras coisas para fazer: ouvir música, ver os meus bichinhos,
tomar um drinque, ligar para os amigos...", conta a atriz.
"Hoje em dia, é preciso ser muito seletivo com a TV, porque senão você acaba
sendo abduzido por ela", alerta a heroína
da próxima novela de Manoel Carlos.
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