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ENTREVISTA LÁZARO RAMOS
De Satã a "pastor"
O ator Lázaro Ramos, que faz seu primeiro trabalho na TV Globo depois de brilhar como protagonista do filme "Madame Satã", em cartaz
"Espero que o mercado [na TV] se abra, que haja mais espaço para
os atores saírem do estereótipo e que o negro não vire moda"
Aos 24 anos, o ator baiano Lázaro Ramos pode ser visto nos cinemas, como protagonista
do filme "Madame Satã", e também atua na
microssérie "Pastores da Noite" (Globo, terças, 22h35). Mas o intérprete de Massu na
adaptação da história de Jorge Amado para a
TV diz que não se deslumbrou com a fama e
acha até melhor não ser reconhecido nas
ruas. "É bom, porque meus personagens ficam à frente do ator." (FERNANDA DANNEMANN)
DA ENVIADA ESPECIAL AO RIO
Você esperava fazer TV?
Nunca planejei minha carreira. Eu já
estava satisfeito quando fazia teatro em
Salvador. Tinha curiosidade de fazer TV,
mas "Pastores da Noite", por ser em 16
mm, me deu a sensação de estar num set
de cinema. Foi diferente: só tinha uma
câmera (na TV são quatro), fizemos três
cenas por dia (na TV são 30)... então não
sei o que é o ritmo de televisão.
Mas, no fundo, você sabia que estava fazendo um seriado para a Globo e que milhões de pessoas iriam assistir.
Pensei em tudo isso com uma expectativa boa. O que será que as pessoas vão
dizer? Sabe, ninguém me reconhece nas
ruas, já fui a várias estréias do filme e ninguém falou comigo. Não sei se sou diferente do que aparece na tela do cinema,
mas até os jornalistas dizem que, ao contrário do Madame Satã, sou franzino.
Acho isso um equívoco.
Você gosta de passar incógnito?
É bom, porque meus personagens ficam à frente do ator e a qualidade do trabalho é ressaltada. Não fui ver o filme incógnito por medo de ser reconhecido e
alguém dizer "olha, o abestalhado veio
assistir o filme só pra se mostrar".
Mas, depois de fazer TV, fica mais difícil
continuar anônimo.
Espero poder preservar minha imagem. É bom fazer microsséries, que te colocam na TV por poucos dias, em vez de
novela, que te expõe o ano inteiro. Eu faria novela, mas não qualquer coisa: teria de ser um bom personagem, uma boa
história, um bom diretor. Fazer novela só
pra aparecer não dá. Silvio de Abreu e
Jorge Fernando são pessoas com quem
eu gostaria de trabalhar.
Você assiste a novelas?
Perdi o interesse. Novela ficou tão
ruim... De "Roque Santeiro" e "A Próxima Vítima", gostei muito. Gosto das comédias, principalmente quando elas
abordam temas contundentes. A conscientização não invalida o riso.
O que você pensa sobre o sistema de cotas para atores negros na TV?
Acho uma pena que eu pense que deve
ter cotas mesmo. Queria que os mecanismos culturais para inclusão dos atores
negros na dramaturgia -em qualidade
e quantidade- viessem naturalmente.
Os autores deveriam inserir os atores negros dramaturgicamente nas histórias,
em vez de eles estarem lá só pra fazer papéis marginais ou pra dizer "sim senhor". E mesmo quando for um empregado, que tenha importância dramatúrgica. Não quero ser selecionado para um
papel somente quando estiver escrito lá
"personagem negro". E tem outra coisa:
o negro é consumidor, usa manteiga e sabonete. Quero me ver num comercial de
sabonete! Só agora a Globo colocou um
jornalista negro como âncora. E a primeira mulher no Jornal Nacional também não faz muito tempo.
Você está satisfeito com a repercussão
de "Madame Satã"?
A repercussão está sendo muito boa. O
público está captando o espírito do filme, que foi vendido para 15 países. E tem
a satisfação pessoal, estamos muito felizes pela valorização do nosso trabalho,
ganhei os primeiros prêmios da minha
vida e a admiração de pessoas queridas.
Algum tipo de sucesso não vale a pena?
Ficar famoso só por aparecer na televisão -independentemente de estar fazendo um bom trabalho - não me interessa.
E a cena homossexual do filme? Foi
muito difícil?
As cenas mais difíceis foram as que falavam de muito vazio interior e angústia,
como aquela em que a Marcélia conta
que o Renatinho morreu. A cena de sexo
foi muito bem conduzida pela direção e
a penúltima a ser feita. Nós já estávamos
mais relaxados e amigos. Claro que ficamos nervosos, mas sabíamos que a cena
era importante. Afinal de contas, sexo
gratuito não dá.
Alguns ficam incomodados com a cena.
É, já me falaram isso. E, se a cena não
fosse minha, talvez eu também me assustasse. É uma coisa que não se vê todo
dia, ainda mais dessa forma. O sexo homossexual em "Querelle" e "Além do
desejo" é muito mais intenso e com a
abordagem puramente sexual. Em "Madame Satã", aquela é uma cena de amor,
e acho que é isso que surpreende. Ali há
três dados novos: é sexo com amor, homossexual e inter-racial.
Você tem medo
da crítica?
Não. Mas os críticos de arte têm
de ser responsáveis quando escrevem porque influenciam as pessoas. O ideal é que
percebam a influência dos próprios valores naquilo que estão escrevendo.
Qual é a sua expectativa em relação à
televisão?
Espero que o mercado se abra, que haja mais espaço para os atores saírem do
estereótipo, que o negro não vire moda.
Não vou alimentar isso e posar em fotos
sensuais. Não sou deslumbrado.
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