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CRÍTICA
Corpos ardentes
BIA ABRAMO
O CARNAVAL do Rio de Janeiro deste ano foi excepcionalmente comedido na exibição de nus. Uma
madrinha de bateria mais ousada aqui, outra acolá,
alguns seios descobertos em destaques de carros alegóricos, e foi tudo. As "famosas" -é curioso notar como o
adjetivo se substantivou- foram para a Marquês de Sapucaí
muito mais cobertas do que em anos anteriores. Passistas
anônimas, da comunidade, como se diz, mostraram-se um
pouco mais, mas o tom geral deste ano foi de menos exposição sexual.
Embora não se possa deste caso
isolado afirmar uma tendência, talvez dê para arriscar aqui a hipótese
de que os carnavalescos já tenham
percebido, antes que todo mundo,
que há tanto corpo na TV fora do
reinado de Momo que a nudez do
Carnaval se tornou supérflua.
E mais: com a banalização das cirurgias plásticas, a proliferação das
intervenções cosméticas e da malhação pesada, qualquer um, em tese, pode ter um corpo moldado à
perfeição televisiva.
Por exemplo, no "Big Brother
Brasil 3" quase todas as participantes têm implantes de silicone nos seios e/ou nas nádegas
-coisa da qual as câmeras onipresentes não deixam de se
aproveitar. É evidente que não se pode ter a ingenuidade de
comprar a versão de que os participantes dos "reality shows"
sejam, de fato, totalmente anônimos, mas isso só mostra como, dispondo de algum dinheiro para investir no próprio
corpo e estando ainda abaixo da faixa dos 40 anos, gente comum, de profissões idem, pode aspirar a se mostrar sem reservas para câmeras de TV.
Mas não vamos aqui fazer o jogo fácil do moralismo e começar uma diatribe contra o que se chama de "baixaria". Afinal, a falta de pudor é uma das características fundadoras da
TV, e estamos cansados de vê-la em ação, desde o repórter
que desconhece o direito à privacidade e não desgruda o microfone do rosto do desabrigado que lamenta seus mortos à
sede de exposição que contamina qualquer grupo de pessoas
diante de uma câmera. A noção de que se deve mostrar tudo,
não importa o quê e muito menos como, perpassa todos os
formatos televisivos, dos telejornais às telenovelas, onde passou a ser um imperativo mostrar, ainda que parcialmente, a
nudez dos atores.
"Mulheres Apaixonadas", por exemplo, exibe sem dó nem
piedade uma profusão de tórax masculinos -do glabro Pedro Furtado ao hirsuto Tony Ramos, há peitos para todas. E
vem aí uma nova novela de Carlos
Lombardi, "Agora É que São Elas",
em que Marcos Pasquim e Humberto Martins devem passar 80%
do tempo de sunga ou toalha na
cintura. Mas é nos "reality shows"
que o escancaramento do outro
atinge seu paroxismo.
Lá, corpos, até então semi-anônimos ou quase desconhecidos, revestem-se de uma biografia sumária -fulano de tal, 25 anos, personal trainer, sonha em ser ator/
atriz- e passam a desfilar e a interagir diante de câmeras espalhadas
por todos os lados.
Famosos ou anônimos, masculinos ou femininos, corpos com generosas porções de pele à
mostra têm sido a regra na TV brasileira. Sempre se pode saudar tal fenômeno como mais um traço da liberdade de costumes, da ginga e da malemolência do caráter brasileiro, mas é
preciso não esquecer de um detalhe: ao contrário do que a TV
quer acreditar, não há exposição neutra. Ou será que não tem
nada a ver com estereótipos raciais o fato de o penúltimo clipe
que apresentou os candidatos a eliminação no "Big Brother"
ter tratado o negro Alan como um corpo perfeito e másculo
encimado por um sorriso simpático e o branco Dhomini como um sujeito articulador, romântico e com manias estranhas? Um é corpo, o outro, de certa forma, pode-se dizer que
se aproxima do espírito -quem está mais próximo da natureza, quem está mais próximo da humanidade? Quem, portanto, há de "merecer" mais o meio milhão de reais?
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