|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ALVOS FÁCEIS
Caso Tim Lopes evidencia desproteção de repórteres
"Nem quando cobri guerra me senti tão vulnerável", afirma ex-colega do jornalista da Globo que hoje vive escondida dos traficantes
CARLA MENEGHINI E RODRIGO DIONISIO
DA REPORTAGEM LOCAL
"HÁ DUAS semanas, perguntei a
ele como tinha coragem de fazer
essas matérias investigativas apesar de
todo o risco, e ele respondeu: eu gosto
muito do que faço." É assim que o presidente do Sindicato dos Jornalistas do
Rio, Nacif Elias Hidd, conta seu último
encontro com o repórter Arcanjo Lopes,
51, conhecido como Tim Lopes, da TV
Globo, que desapareceu domingo passado, quando fazia uma reportagem na favela Vila Cruzeiro, na Penha (zona norte
do Rio). Partindo de uma denúncia de
moradores da favela, o jornalista investigava um baile funk onde haveria consumo de drogas e sexo explícito envolvendo adolescentes.
No dia seguinte ao desaparecimento,
uma equipe de policiais encontrou cinzas, um dente e pedaços de uma mandíbula de um corpo carbonizado no alto da
favela, que foram encaminhados para
análise. Até o encerramento desta edição, não havia confirmação se é do jornalista.
Desproteção O desaparecimento
de Tim Lopes não é um caso isolado. A
jornalista Cristina Guimarães, ex-companheira de trabalho de Lopes na TV
Globo, vive escondida há mais de seis
meses devido às ameaças que diz ter sofrido em retaliação a uma reportagem investigativa que realizou na favela da Rocinha, no Rio. "Continuo fugindo, não
tenho paz", disse Cristina à reportagem
na última terça-feira.
"A gente faz essas reportagens na cara e
na coragem. Ele foi lá no morro sozinho,
acompanhado apenas por um motorista.
Eu ia só com um motoqueiro. Nem
quando cobri guerra me senti tão vulnerável. A gente tem liberdade de imprensa, mas ninguém protege a gente. Para o
Tim provavelmente vai restar virar nome de sala lá na Globo."
Em outubro do ano passado, um jornalista da emissora ficou durante 48 horas sequestrado, pois traficantes queriam
saber dele os nomes dos responsáveis
pela série de três reportagens "Feira de
Drogas", exibida no "Jornal Nacional",
sobre a venda de entorpecentes a céu
aberto na favela da Rocinha (zona sul do
Rio). A série, de autoria de Cristina Guimarães e de mais três profissionais, entre
eles Lopes, recebeu o Prêmio Esso Especial de Telejornalismo em 2001.
Cristina diz ter recebido ameaças e sido
perseguida diversas vezes e, após saber
desse sequestro por uma nota publicada
no TV Folha, deixou a emissora carioca
e passou a viver escondida.
Ela afirma estar esperando o resultado
de dois processos movidos contra a TV
Globo, um para receber seus direitos trabalhistas e outro por danos morais.
Quanto ao ocorrido com Lopes, afirma
que um fato assim já devia ser esperado.
Segundo Cristina, tanto as ameaças
que sofreu quanto o desaparecimento de
Lopes têm ligação com as atividades do
Comando Vermelho no Rio. "Tenho
medo que ele possa ter sido torturado e
dado o nome das pessoas que participaram das reportagens. Ele não teria como
dizer onde podem me encontrar, mas há
outras pessoas envolvidas."
O diretor da Central Globo de Comunicação, Luiz Erlanger, afirma que a
emissora adota "regras rígidas" de segurança. "Tim Lopes foi à favela duas vezes
antes, sem câmera, para fazer um reconhecimento e mantinha o motorista em
contato num ponto determinado", diz.
Segundo ele, outros procedimentos visando a segurança dos repórteres que fazem esse tipo de reportagem são adotados. "Mas não revelamos por razões óbvias". Para Erlanger, "seria uma precipitação pensar em mudanças nos procedimentos antes da conclusão do caso".
Protestos O desaparecimento de
Lopes mobilizou diversas entidades, tais
como a Fenaj (Federação Nacional dos
Jornalistas), a Abert (Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão),
a ABI (Associação Brasileira de Imprensa), o Sindicato dos Jornalistas do Rio e a ONG Repórteres Sem Fronteiras.
Texto Anterior: Cartas Próximo Texto: "Acontece": Band estréia telejornal descontraído Índice
|