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Crítica - Sérgio Dávila
O perigo da menina que fala besteiras
SÉRGIO DÁVILA
QUANDO uma bomba explode perto demais de uma
pessoa, a morte é certa. Morte por despedaçamento
e, às vezes, pulverização, primeiro dos ossos. Dependendo da distância, as chances de sobrevivência aumentam. Pode-se ter apenas partes do corpo carbonizadas.
Ou ter os membros arrancados, braços, pernas.
Foi o que aconteceu há algumas semanas com o menino iraquiano Ali Ismail Abbas, de 12 anos, que estava no lugar errado (num alvo civil atingido por engano pela coalizão anglo-americana) na hora errada (em
Bagdá durante a guerra). Ele perdeu os dois braços e boa parte da
família, mãe e pai incluídos.
Estava semimorto num hospital até ser descoberto pela mídia
ocidental, que o fez virar símbolo
do sofrimento civil que atingiu o
povo iraquiano, uma espécie de
prova viva de que a "guerra cirúrgica" de que falava George W.
Bush é uma expressão tão mentirosa quanto "guerra pacífica".
Articulado, sonhador, gracioso,
Ali Ismail Abbas comoveu meio
mundo, compreensivelmente, e
deve ganhar braços artificiais
bancados por dinheiro de doação. Meio mundo, menos a
nossa Fernanda Young, escritora de Niterói que frequenta o
"Saia Justa", exibido pelo GNT. Num programa recente, ela
comentou o caso de Ali Abbas.
"É tudo uma gente velha, preconceituosa, machista. Tem
que saquear mesmo, pisar a estátua do Saddam. Se eu estivesse lá, estaria roubando tudo também. Estão fazendo muita euforia com a foto do menino sem braço. Acho mediocrizante.
Morro de constrangimento. É apelativo. Tanta criança morrendo de bala perdida no Rio, e ninguém faz nada."
"Estou cagando se estão saqueando a MesopotâNia", concluía seu desarranjo cérebro-intestinal, assim mesmo, com
"ene" no lugar de "eme", erro muito comum entre as crianças. Fernanda Young não é criança, nem tão jovem como tenta dizer seu sobrenome tirado do inglês, como as chacretes.
Fernanda Young é perigosa.
Perigosa porque defende e divulga idéias preconceituosas,
que são tratadas com risadinhas de "olha como essa menina é
rebelde e fala besteiras" por suas colegas de programa. O problema é que, diferentemente de Young, as três são competentes, o que acaba por dar certo ar de "normalidade" à bobajada.
Rita Lee excede comentários, sua importância no rock (no
começo) e no pop (depois) nacionais é incontestável. Monica
Waldvogel é jornalista de verdade. E Marisa Orth é atriz idem.
Mas elas batem palminha para
Young. É como se os promotores
de uma briga de galo chamassem
o Trio Esperança para abrir o espetáculo, para amenizar.
Uma amiga manda uma corrente que anda pela internet relacionada a Young. É uma boneca
imaginária, criada aparentemente pelo site www.kibeloco.blogspot.com, que tem o rosto dela e se chama "Barbie fala merda". "Já vem de saia justa!", anuncia a caixinha genial, que traz uma Fernandinha Younguinha com a camiseta com o logo da GNT.
"É a única que faz três declarações infelizes em apenas uma
hora!", ensina a embalagem. "Basta apertar o saquinho dela e
ela diz: "Sou bonita, não preciso ser inteligente'; "Felicidade é
comprar coisas'; e "Só quem tem mau-caráter envelhece!'".
A última declaração, inclusive, rendeu um comentário
oportuníssimo no site da jornalista Cora Rónai (cora.blogspot.com), que por sua vez citava um texto de Alexander
Zimmer e remetia a outro de Joaquim Ferreira dos Santos feito para o "no mínimo". Recebi tudo numa corrente de e-mail
de outra amiga, cuja linha de assunto era "Fernanda Stupid".
Que o menino Ali Ismail Abbas ganhe logo seus braços artificiais e venha ao Brasil dar umas palmadas no intelecto de
Fernanda Young, agora rebatizada pela rede.
A COLUNISTA BIA ABRAMO ESTÁ EM LICENÇA
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