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CRÍTICA
Nota de despedida
EUGÊNIO BUCCI
NO DIA 2 de janeiro, tomei posse da presidência da
Radiobrás, a Empresa Brasileira de Comunicações S.
A. Trata-se de uma empresa pública, vinculada ao
Ministério da Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica. O cargo que passei a ocupar é ligado
ao Poder Executivo Federal. Aceitei-o com muita honra e
também com a minha melhor motivação, com esperanças de
contribuir para a qualidade do jornalismo público. Ao mesmo tempo, aceitei-o com alguma tristeza: terei de suspender a
minha carreira de crítico. Há entre as duas atividades -a de crítico de televisão e a de executivo da
Radiobrás- um conflito de interesses que só se resolve pela eliminação de uma das duas.
Não é difícil entender por quê.
No comando da Radiobrás, sou
responsável por cinco emissoras
de rádio e duas emissoras de televisão, além de um grande serviço
de veiculação de notícias pela internet. Essa condição, é evidente,
retira de mim a independência
necessária para o exercício da crítica. Há, aqui, um impedimento
formal, objetivo, impessoal. Por
mais honesto que eu seja, por
mais que eu procure evitar que aspectos de uma atividade interfiram na outra, a minha crítica seria, sempre, uma crítica
de má qualidade, pois seria suspeita, sem a necessária credibilidade. Não há como prosseguir com a coluna.
A necessidade de independência objetiva não se resume à
função de crítico. É uma exigência do bom jornalismo em geral. Não por acaso, uma norma interna da Folha impede que
ocupantes de cargos do Poder Executivo sejam colunistas do
jornal. É justa. Ela ajuda a demarcar as fronteiras entre os interesses do leitor, que uma boa redação deve buscar entender
e atender, e interesses que naturalmente se desenvolvem no
interior da máquina do Estado, sobretudo no Executivo. Por
melhores que sejam os integrantes do Executivo, por mais éticos e mais idealistas que eles sejam, todos fazem parte de uma
lógica de Estado (isso na melhor das hipóteses), que não é a
lógica da sociedade. Para o bem da democracia, essa lógica
deve sofrer a fiscalização ininterrupta da sociedade e, de modo especial, da imprensa.
De minha parte, concordo, sempre concordei, com a separação explícita entre os interesses do Estado e a imprensa.
Não que eu suponha que o Estado seja corrupto por definição. De modo algum. Acredito que o Estado pode, sim, expressar e viabilizar anseios legítimos da sociedade. Acredito
que o Estado pode ser um fator de
progresso econômico e de justiça
social. Acredito também que o
Estado pode até mesmo patrocinar um jornalismo público de
qualidade superior, um jornalismo que, por certo, não tem o objetivo de competir com a imprensa de mercado, mas que pode,
sim, levar informações relevantes
e de alta credibilidade a setores
amplos de brasileiros que ainda
se acham carentes de cidadania.
Se eu não acreditasse nisso a minha ida para a Radiobrás não teria sentido. Acredito em tudo isso, repito, mas sei que, para que
isso ocorra, é indispensável a vigilância constante.
A partir de hoje, passo a me relacionar com a Folha apenas
como leitor. Nas páginas do jornal, passarei a contribuir apenas com a minha ausência saudável. Agora, no campo do jornalismo público, terei muito a fazer. Estou convencido de que
existe um grande horizonte para o jornalismo público, um
serviço que privilegie o direito à informação do cidadão e que
esteja minimamente a salvo da asfixia que as tais "leis de mercado" têm imposto às empresas jornalísticas. Informação de
qualidade é um direito. É nessa linha que trabalharei. Sei que é
fundamental que uma democracia conte com jornais que sejam independentes do Estado. Mas também sei que é igualmente importante que saibamos construir um jornalismo público democrático que seja independente do capital.
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