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Crítica
Papo boleiro
JOSÉ GERALDO COUTO
A VELHA mesa-redonda futebolística de domingo à
noite não é mais aquela. Se houve um gênero televisivo que se diversificou em busca de novos segmentos de público, foi o dos programas esportivos.
Tanto na TV aberta como na paga, proliferam os concorrentes do final de domingo esportivo. Há o "Terceiro Tempo"
(Record), o "Bola na Rede" (Rede TV!), o "Rock Gol" (MTV)
e, claro, a eterna "Mesa-Redonda" da Gazeta, talvez a última
representante do formato clássico do gênero. O congestionamento é tão grande que, para escapar dele, um programa tradicional como o
"Cartão Verde", da Cultura,
foi transferido para a segunda-feira. Na TV paga, a
situação é parecida. O recém-criado "Bem, Amigos"
(Sportv), comandado por
Galvão Bueno, também optou pela segunda-feira, para
competir com o sólido "Linha de Passe", do ESPN
Brasil.
Os novos programas -e
os velhos, reciclados- tornaram-se quase shows de
variedades, com o aparente
objetivo de atrair dois públicos até então refratários
ao papo boleiro: os jovens e
as mulheres. Cada um aponta para um lado. O "Rock Gol",
evidentemente, busca uma ponte entre o futebol e a cultura
pop. Suas principais armas são a presença de personalidades
desses dois universos, uma edição ágil e o humor anárquico e
metalinguístico dos apresentadores Marco Bianchi e Paulo
Bonfá.
Comandado por Juca Kfouri e pelo ex-jogador Sócrates, o
"Bola na Rede" centra seu foco nos bastidores do futebol e
costuma ter entre seus convidados escritores, economistas e
dirigentes esportivos. Os jogadores que eventualmente participam da mesa ficam em geral um tanto intimidados pela
douta conversa. No outro extremo, o "Terceiro Tempo", de
Milton Neves, lembra um programa de auditório em que cabe
um pouco de tudo: do melodrama do tipo "Esta é sua vida" a
shows musicais protagonizados por jogadores, fofocas extra-campo, gozações generalizadas e uma avalanche de merchandising.
Com exceção do merchandising, os mesmos elementos
aparecem no novo "Bem, Amigos", que também conta, entre
seus convidados, com técnicos, ex-árbitros e músicos populares, e investe pretensamente no bom humor. A diferença é que o autoritarismo
centralizador do mestre de
cerimônias Galvão Bueno
acaba por cercear a informalidade anunciada. Outro dia, ele tratou os convidados Paulinho da Viola e
Toquinho como se fossem
músicos contratados para
tocar no seu bar.
Claro que, em todos esses
casos, persiste em alguma
medida o "núcleo duro"
dos programas do gênero:
uma certa representação de
papéis por parte dos debatedores (o enciclopédico, o
gozador, o corintiano, o
palmeirense, o polêmico, o
diplomata etc.), um festival de lugares-comuns e aquelas intermináveis discussões sobre se foi pênalti ou não, se Fulano
estava ou não impedido, se Beltrano é melhor que Sicrano etc.
Ou seja: aquele pequeno circo que ainda provoca urticária em
tantas esposas e que foi magistralmente satirizado no filme
"Boleiros", de Ugo Giorgetti. De alguma maneira, esse circo
cumpre alguma função -senão não duraria tanto e não daria
tantos rebentos-, que talvez seja a de realçar a dimensão do
futebol, entre nós, como teatro da vida.
A COLUNISTA BIA ABRAMO ESTÁ EM LICENÇA
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