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COISA DE LOUCO!?
Para diretor, "TV Pinel tem mais ética que qualquer "reality show"
Luiz Bettencourt/Folha Imagem
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Equipe da TV Pinel grava programa na praia Vermelha, no Rio |
Projeto de hospital psiquiátrico do Rio que produz programas exibidos pela TVE/Rede Brasil comemora seis anos
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CARLA MENEGHINI
DA REPORTAGEM LOCAL
"OLHE PARA essa televisão de
hoje em dia. Depois, a gente é
que é louco!", diz, referindo-se à febre
dos "reality shows", Bárbara Conceição
Dias, 32, integrante da equipe da TV Pinel, projeto do Hospital Psiquiátrico Philippe Pinel, em Botafogo (zona sul do
Rio), que está completando seis anos.
Exibidas na TVE/Rede Brasil, sextas-feiras, às 21h30, dentro do programa
"Canal Saúde", e no canal Comunitário
do Rio de Janeiro, da NET, as produções
dos pacientes -ou usuários, como preferem ser chamados- têm regras éticas
claras: só é mostrado aquele que autorizar o uso de sua imagem e internos em
crise não podem ser filmados em nenhuma hipótese.
"Essas pessoas não são responsáveis
por seus atos e podem ser discriminadas
no futuro se forem expostas", diz a psicanalista Cláudia Corbesier, coordenadora-geral da TV Pinel.
"Aqui a regra de ouro é o respeito: não
há interesse em levar ao ar imagens ou
discurso que possam ofender ou denegrir alguém. Não queremos nos promover às custas de ninguém. A TV Pinel tem
mais ética que qualquer "reality show'",
afirma o produtor Valter Filé, diretor da
ONG "Imagem na Ação", que dá suporte
técnico ao projeto.
"Aprendi que falar mal dos outros não
leva a nada. A gente tem de ter muita responsabilidade quando fala na TV", diz a
usuária Jaqueline Batista, integrante da
equipe desde sua criação, em 1996.
A TV Pinel tem dois objetivos distintos: mostrar à sociedade uma nova imagem, livre de preconceitos, da dita "loucura" e servir de ocupação terapêutica
aos usuários e internos do hospital. "O
humor é o principal elemento da produção, e nada melhor do que rir de sua própria loucura para vencê-la", diz Filé.
Num dos programas, gravado em uma
praça pública, a usuária Bárbara monta
uma banca de camelô onde "vende" camisas-de-força como se fossem peças da
moda. Em outro, "A Endoidada", o elenco faz uma sátira à novela "A Indomada", da Globo, exibida em 1997. Em
"Loucotidiano", pacientes do hospital
são entrevistados sobre temas gerais. Em
"Clipinel", são produzidos clipes de canções de autoria de pacientes ou sátiras a músicas famosas.
"Fazemos muita experimentação de
linguagem; nossa matéria-prima é a loucura, que é a fuga dos padrões. Não somos submetidos ao ibope, nem ao merchandising. Somos livres dessas camisas-de-força", conta o produtor.
"Aqui não é definido o que é ficção e o
que é realidade. Às vezes, nós fazemos telejornais só com mentiras, e, como atores, mostramos quem somos de verdade", diz Bárbara, que viu suas crises diminuírem após entrar para a TV Pinel.
Ela conta que, quando chegou ao Philippe Pinel, há dez anos, sonhava ser
atriz. Atualmente, é mentora e atua na
maioria dos programas da TV Pinel.
"Participei de muitos testes para a Globo
e posso dizer que aqui as pessoas são
mais humanas."
"A participação no projeto não faz milagre, é claro, mas é visível a estabilidade
emocional que essa produção dá aos pacientes; eles redescobrem a criatividade e
recuperam a dignidade, pois adquirem
direitos, deveres e são pagos pelo trabalho", diz a coordenadora-geral.
Os seis usuários que são membros fixos da equipe e dão suporte à participação de toda a comunidade do hospital recebem uma bolsa-auxílio de R$ 120 e vale-transporte. "Hoje, quando me perguntam o que eu sou, eu respondo: trabalho com TV", diz Jaqueline Batista.
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