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Atores encontram um novo mercado nas simulações de casos reais na TV. Quase sempre farsescas, elas fazem rir
No mundo do faz-de-conta
Alessandro Mazzer estuda interpretação e atua no "Fala que Eu Te Escuto" (Record)
Iraci, 72, e o filho Renné, que participaram de quadros no "Eu Vi na TV", da Rede TV!
Paula Millen, que já fez clipes e comerciais e hoje está nas simulações da TV Record
FERNANDA DANNEMANN
FREE-LANCE PARA FOLHA
NEM SÓ de novelas e "reality
shows" vivem os aspirantes ao estrelato na TV. Uma leva de atores desconhecidos encontra a sonhada oportunidade nas breves encenações envolvendo
sexo, religião e tragédia produzidas por
programas como o "Eu Vi na TV" (Rede
TV!), "Fala que Eu te Escuto" (Record),
"Linha Direta" (Globo) e "Programa do
Ratinho" (SBT).
"Meu sonho é ser protagonista de
uma novela da Globo", diz Priscila Trevisan, 24, que já estrelou o quadro
"Aconteceu no Motel", no programa
noturno de João Kléber na Rede TV!.
"Mas como chegar lá? O ramo é podre",
diz a ex-lutadora da lama do "Domingo
Legal" (SBT), que arriscou-se a apanhar
sabonetes na "Banheira do Gugu".
Ex-dançarina em cassinos e casas noturnas da Europa, Priscila diz que ficou
constrangida: "O povo é preconceituoso, mas se for na Globo, ninguém fala. A
Débora Secco ficou nua na novela, e todo mundo achou lindo. A Mel Lisboa
fez cenas fortes na cama e foi elogiada",
afirma.
Mas no programa de João Kléber, o nu
feminino divide o papel principal com
os intervalos comerciais. No roteiro costurado pelo apresentador, que bola as
histórias com sua equipe, tudo é motivo
para as atrizes tomarem banho. As cenas, dignas de comercial de sabonete,
são longas e repetidas à exaustão.
Em certos momentos, o telespectador
pensa estar diante de um filme pornô.
"O quadro "Aconteceu no Motel" aumentou o ibope em cinco pontos", diz o
apresentador, que, no entanto, reconhece as limitações do elenco: "Alguns são
legais, outros não, né?".
Os cachês pagos pelo programa são de
R$ 400 em média, mas tudo pode acontecer: Beatriz Fonseca, 27, é um exemplo. "Nem fiz teste. O João [Kléber"
olhou para a minha cara e disse que podia ser. O cachê era de R$ 450 pra gravar
de lingerie. Mas, na hora, a cena foi um
banho sensual. Quase desisti e acabei
ganhando R$ 3.000", diz ela, que deu
graças a Deus quando soube que os colegas do escritório em que trabalha não
viram seu banho via satélite.
Mais falas
Mas a teledramaturgia
alternativa não atrai somente atores de
ocasião. Gente que há anos vem tentando se lançar no palco vê esse nicho como
uma grande chance. É o caso de Márcio
Aguiar, 27, que estudou artes cênicas na
PUC, participou de programas no SBT e
na Record e posou nu para uma revista.
"Adorei o trabalho na Rede TV!, foi
um dos papéis com mais falas que já peguei. Exigiu muita expressão corporal e
facial", afirma Aguiar, contando que a
namorada não gostou das cenas em que
ele e uma atriz se agarravam quase nus.
As locações podem ser motéis ou residências. "Como só tinha uma câmera, a
moça tomava banho e era filmada da
porta do banheiro, enquanto eu e o João
Kléber assistíamos num monitor no
quarto", explica Renné Navarro, 38, que
virou ator por acaso, depois de procurar
a produção do programa para pedir ajuda para conhecidos do bairro onde vive.
"O João ia dando as coordenadas, dizendo "passa a mão assim, mexe assim"."
Humor
No SBT, Ratinho também
inovou o quadro "Teste de DNA", que,
segundo ele, "estava monótono". "Quisemos uma coisa mais light e a audiência aumentou dois pontos", afirma o
apresentador. "Ficou mais família, porque nosso negócio é humor, não sexo",
diz ele, que optou por fazer as encenações com atores fixos do programa.
"Eles eram crus mas melhoraram tanto que vamos colocar diálogos", explica
o diretor Fábio Furiatti. Segundo ele,
não há roteiros nem elaboração para as
histórias, baseadas em depoimentos de
pessoas que querem fazer o teste de paternidade. "Com esse sarrinho todo, tira
o ódio do pessoal e facilita o acerto dos
advogados", diz Ratinho.
Drama
Na Record, o filão é o dramalhão baseado em depoimentos dos fiéis
da Igreja Universal do Reino de Deus ao
programa religioso "Fala que Eu Te Escuto" (exibido diariamente à 1h).
O programa existe há cinco anos e só
nos últimos três meses usou cerca de
200 atores para encenar situações que,
comentadas por um bispo-apresentador, têm o sobrenatural como astro
principal.
A equipe se resume à diretora, Denise
Antunes, um câmera, um assistente e
um motorista. "A gente grava em várias
casas, não tem critério. Pode ser até na
minha. Não temos cenário para não ficar repetitivo", afirma ela.
Os atores fazem questão de não revelar o cachê. "Não é muito, mas é gratificante e vale como laboratório. Espero
que me vejam e me convidem para fazer
novelas", diz Rosângela Crepaldi, 37.
Paula Millen, 31, que já gravou clipes,
comerciais e fez teatro profissional, diz
que não há texto. "A Denise tem mais ou
menos a história na cabeça, e a gente improvisa. Independentemente de eu
acreditar naquilo, o importante é que
estou treinando. A gente dá muita risada", conta ela, que já fez papel de amante de homem casado e de vítima de feitiçaria.
Alessandro Mazzer, 38, há dez anos estudando interpretação, integra o "cast" do
"Fala que Eu Te Escuto", mas se queixa da
falta de oportunidades. "Hoje, todo mundo
é ator, modelo e figurante. Para entrar, você tem que ser amiguinho de diretor".
Incentivo
A modelo Mariza Cardoso,
29, que participou duas vezes do "Aconteceu no Motel", não se incomodou com a
nudez, mas quer algo mais. "Quero papéis
em que possa interpretar", diz ela, que saiu
cheia de arranhões de uma gravação de pegadinhas na mesma emissora.
Iraci Navarro, 72, atuou ao lado do filho,
Renné, no quadro do Motel. E adorou. " Só
ganhei R$ 50, mas valeu a pena", afirma.
"Ela é macaca de auditório. O cachê é relativo. Foi só para dizer "sim, claro". Eu, que
fui o ator principal, ganhei R$ 300 por dois
dias de trabalho. Foi bom", diz Renné.
Fim de linha
O elenco anônimo do
"Linha Direta" (Globo) conta com melhor
estrutura, mas está ameaçado de perder
seu lugar ao sol na emissora carioca, já que
o programa teve as gravações paralisadas
durante o horário eleitoral. Procurada pela
Folha, a Globo se recusou a fornecer os telefones dos atores. Na produção, a suspeita
é de que a atração não voltará ao ar.
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