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CRÍTICA
A cabo
EUGÊNIO BUCCI
UMA NUVEM de desinteresse envolve a televisão a cabo no Brasil. Ou, corrigindo, a televisão por assinatura (aquela que o sujeito só pode ver se pagar ou, o que
não é tão incomum, só vê se fizer uma gambiarra
clandestina e puxar o sinal ilegalmente). Chamamos toda televisão paga de TV a cabo, o que é um erro. Dos 3,5 milhões de
assinantes de TV paga no Brasil, segundo tabelas que se encontram no site da Associação Brasileira de Telecomunicações por Assinatura, pouco mais de 2 milhões são servidos
verdadeiramente pelos fios que
transmitem de imagens; quanto
aos outros, recebem os sinais por
ondas (MMDS ou DTH), sem cabo nenhum. O que não importa
nada: a expressão TV a cabo designa toda forma de TV que não é
aberta. A TV a cabo é a TV de elite, enquanto a TV aberta é a TV
do povaréu. A questão que intriga muita gente é que só a TV do
povaréu tem repercussão. Da outra, quase nada se comenta. Só o
que há é a nuvem de desinteresse,
uma nuvem que está por aí há
quase uma década e que, portanto, não é nada passageira.
Essa nuvem é persistente. Chega a ser sádica. Dificilmente o telespectador remediado vê um
filme inteiro na sua prestigiosa televisão de rico. Assiste mesmo é novela. De seu lado, as empresas que distribuem os canais pagos insistem em demonstrar com números que já dispõem de atrações de boa audiência. Em alguns casos, eles até
que têm lá um público visível. Cartoon Network, de fato, é um
sucesso ou, digamos, um sucesso mirim: apresenta desenho
animado sem precisar de nenhuma loura saltitante que fique
gritando entre uma historinha e outra. Tendo a fatídica loura-a-menos, o Cartoon Network tem um atrativo-a-mais ("less is
more", alguém diria). Há outros casos de sucesso retumbante
ou, digamos, de sucesso sênior. A TV Senado, em dias em que
interroga caciques como Antonio Carlos Magalhães, também
atrai a massa. Fora isso, a gente nem se lembra direito do número do canal daquele documentário supercientífico ou daquele filme superartístico. As revistas da TVA e da NET, que
circulam mensalmente com suas listas de programas, são menos lidas que esses cardápios de telepizzarias que despencam
nas caixas de correio. Há gente que assina televisão paga só
porque ela garante uma boa imagem para a televisão aberta.
O sujeito paga para nunca mais se preocupar com ajustes na
antena. E estamos conversados.
Ah, sim, tem o Futura, que ninguém vê e todo mundo elogia, tem a GloboNews, uma CNN
daqui, e até que boa, e... O que
mais? Nada que salve. A média da
programação da TV paga é tão
baixa quanto a da TV dos pobres.
Mas seu calvário não é sua (baixa)
programação; seu calvário é seu
tamanho mínimo. Sendo uma
TV de rico, esbarrou no tamanho
do Brasil rico, um Brasil de 3,5
milhões de assinantes, que é pequeno demais para garantir relevância pública a um veículo como
a televisão num país continental
como o nosso. Se fossem 4,5 milhões seria a mesma coisa. Aqui,
TV paga é entretenimento privado de alcance privado. É um serviço exclusivo do grande condomínio (virtual) fechado em
que se esconde a elite brasileira. É um pequeno luxo particular, privado e privativo, como se fosse uma festa de casamento
da filha do Doutor Fulano, as recordações em vídeo das férias
em Miami. O Brasil gigante passa do lado de fora da TV paga.
Passa sem modos pelo auditório do Ratinho, passa chorando
pelos cultos da Rede Record. Quando muito, faz um "gato",
uma ligação direta, e "rouba" um programinha. E só. O Brasil
da maioria só acontece na TV dos pobres. Daí a nuvem de desinteresse que envolve a TV paga. O problema não é o seu
conteúdo, enfim, mas o fato de que, tendo batido nas paredes
da casa grande, jamais chegou à senzala, nem à rua. É uma TV
que o Brasil não vê e que não vê o Brasil. O que faz dela uma
TV menor, quase indigna de nota.
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