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"Humor não é escracho"
(...) você sabe que tem mulher pra tudo, né? Uma vez uma fã quis ir
ao motel comigo vestido de Zé Bonitinho. Educadamente, eu disse
a ela que tinha um compromisso."
FERNANDA DANNEMANN
DA REPORTAGEM LOCAL
Aos 78 anos de idade e 50 de carreira, Jorge
Loredo, o Zé Bonitinho, hoje fazendo ponto
em "A Praça É Nossa" (SBT), ganhou um sopro de modernidade. Tudo começou há três
anos, quando foi aclamado pela juventude
numa festa da MTV. Agora, foi convidado
pela fã Andréa Beltrão para atuar na peça infantil "Eu e Meu Guarda-Chuva", que chega
a São Paulo em julho, e é tema do documentário "Câmera Close", de Suzanna Lira.
Como é fazer teatro infantil?
É a primeira vez que faço -sou um DJ
e um barbeiro- e o convite foi uma surpresa. Quando o Branco [Melo, do Titãs,
autor da trilha da peça" me ligou, achei
que fosse trote. Fiquei receoso, mas eles
me deram total apoio e está sendo muito
gratificante. Quando vi meu retrato num
quadro na casa da Andréa [Beltrão], foi
como um soco no estômago.
Você também é tema de documentário...
Pensei que a Suzanna [Lira, diretora]
estivesse brincando comigo, tanto é que
não dei retorno, e foi ela quem insistiu.
Conte uma história que estará no filme.
Eu ainda não trabalhava como ator e
fui parar num sanatório do Rio por conta
de uma fraqueza pulmonar. Lá, tinha
uma rádio desativada, que pegava num
raio de dez quilômetros. Botei a estação
no ar. Tuberculose era doença maldita, e
aqueles doentes, abandonados e deprimidos, começaram a fazer novelas ali.
Você já ficou sem trabalho?
O preconceito que não sofro hoje, pela
idade, sofri na juventude, por causa de
uma doença nos ossos. E de 1965 a 1969,
depois que a TV Excelsior foi fechada pelo governo militar, nós, que trabalhávamos lá, ficamos marginalizados.
Você tem saudades dessa época?
Tenho, mas não digo que "no meu
tempo era melhor...". Na TV, a gente trabalhava com orquestra completa, o auditório pagava ingresso. Não era uma claque obrigada a rir ou a bater palmas.
Como surgiu o Zé Bonitinho?
Imitando um colega de adolescência, o
Jarbas, conhecido como "o perigote das
mulheres". Ele dizia que todas já tinham
"participado", entende? Ficava se olhando nos espelhos dos bares, dizendo "alô
garota..." e cantando "Strangers in the
Night". Se gabava de "faturar" todas. Tudo mentira.
Muitas mulheres já se apaixonaram por você por causa do Zé?
Pelo Zé Bonitinho devem ter se apaixonado, porque você sabe que tem mulher
pra tudo, né? Uma vez, uma fã quis ir ao
motel comigo, vestido de Zé Bonitinho.
Educadamente, eu disse a ela que tinha
um compromisso.
E o mendigo aristocrata?
No fim dos anos 50, a TV Rio tinha o
programa "Rio Cinco Para as Cinco",
durante a tarde, igual ao que temos hoje
aí, culinária, musicais... a direção achou
que faltava humor. Minha mãe me aconselhou a imitar um mendigo elegante
que, na minha infância, ia à nossa casa
quando dávamos almoço aos pobres. Ele
exigia mesa montada na garagem e toalha de renda. O personagem estourou; o
[ex-presidente Juscelino" Kubistcheck
[1902-1976] até foi meu padrinho de casamento por causa dele. Eu terminava
dizendo "agora vou encontrar com
aquele menino, o Juscelino...".
Qual foi o presente de casamento dele?
Não me lembro.
Com três casamentos, até que você não
fica atrás do Zé Bonitinho.
Sempre digo: eu assusto.
Por que você não faz mais o mendigo?
Chegou um momento em que não podíamos falar de política. O mendigo se
diz amigo de todo mundo... hoje, diria
que mandou prender o Saddam e que
iria internar o Bush.
Mas já é possível falar de política...
É, o momento é bom. Não tenho feito
por falta de oportunidade.
A quê você atribui a longevidade do Zé
Bonitinho, que já passou dos 40?
Fui pensar nisso quando me chamaram para apresentar uma festa da MTV,
em 2000. Fiquei preocupado. O quê que
eu ia fazer lá? Mas me colocaram num
camarim imenso e, de repente, entrou
aquela garotada toda. Então descobri
que eu era o ídolo dos VJs, dos produtores e que era um personagem de desenho
animado, com o pente grande, os óculos,
as cores da roupa... Fui ao programa do
João Gordo, e ele me olhava como se eu
fosse um garoto. Antes, pensava que
meu público eram os homens que gostam de esnobar mulher.
E isso mudou alguma coisa na sua vida?
Fiquei mais cuidadoso, para não ofender as crianças. A TV hoje em dia está
muito "tchoc", agressiva. Aboli a piteira
do Zé Bonitinho pra não dar mau exemplo. Vi a importância da TV quando uma
senhora me pediu, na rua, para não dar o
exemplo aos netos dela, que me imitavam fumando.
E a sua longevidade como ator?
Respeito meu ofício e creio que personagens humanos atravessam décadas.
Você é reconhecido na rua?
Sou, não sei como! Outro dia, um senhor, de cabeça branca, disse que é meu
fã desde pequenininho.
O ator idoso é discriminado?
Em geral, é. Acho que não acontece comigo porque me transformo, uso maquiagem e peruca, e minha idade é disfarçada. O público não discrimina. O
meio é que discrimina.
O que você acha de fazer TV hoje?
A TV deveria ser simplesmente educativa, porque muda o contexto das coisas,
pode enfurecer a multidão. No tempo do
Hitler, o rádio mudou a Alemanha. A TV
está colocando um contexto errado,
muito subliminar na mente do povo. É
por isso que estamos nessa, e vai piorar.
O que acha dos humorísticos?
O humor pode mudar a consciência
política de um povo. Humor não é esculacho, não é escracho como o que se faz
hoje. Veja que não há humor nos países
ditatoriais. O [ex-presidente] Getúlio
Vargas [1883-1954], ditador, assistia ao
teatro de revista porque, através das críticas, ele sabia das reclamações do povo.
Ele permitia aquela liberdade no teatro,
mas no rádio não, que tem alcance amplo. Sigo a linha clássica: não falo xixi
nem bunda; falo pipi e bumbum.
Você é formado em direito. Advoga?
Me formei em direito em 1957 e sempre
trabalhei, temendo o desemprego como
artista. Minha especialidade é previdência social e direito do trabalho. Praticamente todo o pessoal antigo da Globo fui
eu que aposentei.
Vida conturbada: direito, TV, três casamentos...
O difícil, mesmo, foram as mulheres.
Você ganhou muito dinheiro?
Não, e tudo o que ganhei ficou com as
ex-mulheres.
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