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CRÍTICA
A propaganda eleitoral ficará
EUGÊNIO BUCCI
É possível que hoje, no ato do voto, o eleitor sinta
um alívio. É possível que expire um "ufa, acabou"
enquanto aperta a tecla "confirma". Nada mais compreensível. Todos estão muito cansados. A começar
pelos candidatos e seus assessores, que, a essa altura, já não sonham com o poder, mas com um bom spa. Os mercados, esses seres mitológicos antropomorfizados, dotados de humores neuróticos, dados a nervosismos estressantes, estão
exaustos. E também sonham, como se fossem humanos, como se fossem candidatos: eles sonham com uma clínica psiquiátrica onde tomem dólar barato na
veia e consigam dormir tranquilamente. Mais do que todos, enfim, quem anda fatigado é o eleitor ou, mais exatamente, o telespectador. É ele quem acaba carregando tudo nos olhos. Está no limite de suas forças.
Outdoors, carreatas, bandeiras
nas calçadas, bandeiradas na cabeça (quem nunca levou uma
bandeirada ao andar pela cidade?) e, pior, a propaganda eleitoral gratuita na TV. Não só nos horários fixos. Nos aleatórios também. Os intervalos comerciais
foram tomados pelas mensagens dos candidatos. O telespectador virou uma vítima enjaulada, e as grades da jaula são feitas de propaganda eleitoral gratuita. São grades móveis, que
seviciam os olhos, que têm mãos permissivas avançando contra o corpo do prisioneiro. E que têm voz, uma voz gutural e
desesperada: "Venha cá, me dê seu voto, me dê seu coração,
me dê o seu desejo". O telespectador mal respira. Por isso,
quando apertar a tecla "confirma", ele pode, sim, experimentar um prazer de alívio, que é também um prazer de liberdade. "Chega! Acabou!"
O problema é que será um alívio ilusório. A verdade, talvez
triste, é que a propaganda eleitoral não acabará coisa nenhuma. O horário eleitoral propriamente dito sairá do ar, por certo, e ainda bem, mas o discurso publicitário dos candidatos
estará cada vez mais presente, agora como discurso dos governantes. Estará cada vez mais na imagem oficial dos governantes.
A propaganda eleitoral tende a tornar-se um gênero publicitário menos sazonal e mais permanente. Sua linguagem é
cada vez mais chamada a dirigir não apenas a comunicação
dos candidatos, mas a própria ação dos governantes. Governar sempre foi um pretexto que os governos têm para fazer
propaganda de si mesmos. As obras públicas são úteis apenas
para emoldurar as placas com os nomes daqueles que as inauguram. Sempre foi assim. Pelas
placas, e pela mentalidade que
elas encerram, a dos palanques de
inaugurações, os governantes fazem comício mesmo quando não
é temporada de comício. Essa é a
lógica. Agora, no entanto, na era
da imagem eletrônica, as placas
de obras adquirem vida própria e
voam dentro da TV mesmo que
as obras não estejam prontas, ou
não funcionem, ou simplesmente
não existam. Governar, que antes
passava por obras sociais ou urbanísticas, pois elas davam suporte à propaganda, resume-se
hoje a simplesmente fazer propaganda, sem ter de passar pelas obras. A grande obra de um governo é sua publicidade. É
para aí que correm volumes maiores de dinheiro público.
Dizem que a publicidade despolitiza a política, o que é verdadeiro. Despolitiza a campanha eleitoral e também o ato de
governar. A administração pública e o próprio poder deixam
de pertencer ao campo da cidadania, em que predominam
conceitos como o de legitimidade, e passam a pertencer ao
campo do mercado, onde predominam conceitos como o de
popularidade. Um presidente já não se mede pela legitimidade dos seus atos, mas pela popularidade de sua imagem, como um astro de rock ou uma marca de sabão. Política de mercado é isso aí. Aliás, marketing político significa exatamente
isso, política de mercado.
A propaganda eleitoral vem substituir a ideologia. Vai ficar
aí por uns tempos.
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