|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA
Um humor casseta, sem dúvida
EUGÊNIO BUCCI
É POSSÍVEL dizer que, de algum modo, há sempre
uma rima entre humor e dor. Nos filmes de Charles
Chaplin ou nos filmes de Woody Allen, o espectador
ri de alguém que sofre com o próprio fracasso amoroso ou com a derrota econômica, dois dragões que intimidam o cidadão médio a cada passo que ele dá. Ou que ele não
dá. Protegido pelo escuro do cinema, o espectador ri de um
personagem. Na verdade, ri de si mesmo, e aí é que está a graça. É possível que, rindo assim, ele reconheça em si, inconscientemente, um sofrimento que
mal é capaz de admitir. É possível
que, transformando seus dragões
pessoais em piadas, se sinta mais
leve e mais liberto. Rir não é se esconder dos dragões, é driblá-los.
Por isso, creio, o melhor humor
tende a rimar com a dor. Rima
com ela para ultrapassá-la. Rindo
do tipo ridículo que vê na tela, o
sujeito entrevê a condição humana que nele existe, para além do
ridículo, e então ri mais, talvez
porque se perceba mais humano,
exatamente por ser ridículo de
vez em quando.
Feita essa introdução, talvez
um tanto longa, um tanto melosa e um tanto ridícula, deixo
de lado as comédias do cinema e volto os olhos para os programas humorísticos da TV brasileira. Também nela, humor
rima com dor. Com uma diferença, no entanto: na TV, a função do humor parece ser não a de superar, mas a de aprofundar a dor. Vamos a isso.
Não existe, no Brasil, um programa que possa ser posto à altura do humor de Chaplin, de Woody Allen ou do grupo
Monty Python. Talvez Denise Fraga no "Fantástico" tenha alguma leveza, mas suas aparições são mínimas e acabam diluídas. "Os Normais" é um programa que tem nos diálogos uma
inteligência acima da média, mas é grosso, falta-lhe a delicadeza sem a qual a graça não flutua. Quanto aos programas humorísticos propriamente ditos, é impossível encontrar algum
que não se baseie em escarnecer os pobres, os analfabetos, os
negros, os homossexuais etc. O mecanismo parece ser o mesmo dos melhores filmes cômicos: o espectador é chamado a
rir daquilo que o envergonha e que o machuca. A questão é
que, nos programas da nossa TV, o espectador não ri para redimir o personagem que se debate em seu ridículo, mas para
reiterar a opressão que pesa contra esse mesmo personagem.
É uma diferença tênue, quase imperceptível, mas dolorosa.
Na TV, o humor rima com dor, aprofunda-a, e rima com
preconceito. Rima com preconceito de cor. E com outros preconceitos. É por isso que, diante
da TV, ri dos negros quem não é
negro, ri dos gays quem não é
gay, ri dos pobres quem não é pobre (ou pensa que não é). Ri deles
quem quer proclamar, às gargalhadas, jamais será como eles. É o
riso como recusa e chibatada. Esses quadros humorísticos não
humanizam o que há de ridículo
em todos nós, mas ridicularizam
e espezinham o que há de humano naquele triste "judas" que aparece ali.
Há quem diga que "Casseta &
Planeta" mudou esse cenário.
Não mudou. "Casseta & Planeta"
é o melhor humorístico da TV brasileira, de longe, mas, como
os outros, é preconceituoso e violento. Por ser mais irreverente que os demais, conseguiu se impor dentro da paisagem ressequida dos piadistas pré-históricos (de corpo, de espírito e
de ideologia). Mas logo se especializou no ramo da sátira chapa-branca, dedicando-se a fazer propaganda engraçadinha
das estréias da Globo. É por demais previsível. Estreou "O
Beijo do Vampiro"? Tome lá uma sátira oficial de seus personagens. Estreou outra novela? Lá vem o mesmo expediente.
Fora isso, é irreverentemente bruto, embrutecido e brutal. A
gente vê, a gente ri, mas a gente sabe: "Casseta & Planeta" não
é um programa politicamente incorreto, é só um programa
reacionário.
"Casseta & Planeta", "A Praça é Nossa", tanto faz. A qualidade do humor na TV segue baixa e estreita. E casseta.
Texto Anterior: Astrologia - Barbara Abramo Próximo Texto: Filmes Índice
|