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O espetáculo acima do perigo
Para mostrar a violência de perto, telejornais policiais expõem seus profissionais a situações de risco e tensão; sociólogo considera "lamentável" o horário de exibição
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RODRIGO RAINHO
DA REDAÇÃO
"QUANDO entrei no local da
chacina, logo vi uma criança
que tinha levado um tiro na garganta.
Aquilo me chocou muito, não tinha forças para trabalhar no restante do dia",
conta o assistente de externa do "Repórter Cidadão", Alexandre Carvalho Silva.
Cenas como essa fazem parte do cotidiano dos profissionais de telejornais
policiais, cujo ofício é correr em direção
a tiroteios e perseguições -e ainda evitar que seu corpo se junte aos das vítimas. "Brasil Urgente" (Band, seg. a sáb.,
18h), apresentado por Roberto Cabrini,
"Cidade Alerta" (Record, seg. a sáb.,
17h45), com José Datena, e "Repórter
Cidadão" (Rede TV!, seg. a sáb., 16h30),
com Marcelo Rezende, são exemplos
desses programas, que têm o sensacionalismo como principal atrativo e viraram febre a partir dos anos 90, quando
surgiu o extinto "Aqui Agora".
O sociólogo Laurindo Leal Filho, professor da USP e presidente da ONG Tver,
não considera esses programas jornalísticos, mas de entretenimento, "espetacularização da notícia". "Esse formato não
tem como objetivo informar, mas emocionar. A forma como é filmado, sem
cortes e ao vivo, dá sensação de que é
mais real do que outros telejornais e de
que tudo pode acontecer", diz.
Leal critica o horário de exibição desses programas: "Sob o rótulo de jornalismo, eles desfrutam de horários à tarde,
em que há muitas crianças assistindo.
Elas são submetidas à banalização da
violência, à dessensibilização. É lamentável ver sangue nessa faixa".
Adrenalina Não só o público está
sujeito a essa dessensibilização à tragédia. Também os profissionais desses
programas são crescentemente brutalizados pelo convívio com a violência.
Apesar dos perigos e impactos emocionais que enfrentam, a maioria dos entrevistados não trocaria de carreira. Roberto Novais, cinegrafista da Rede TV!, define seu trabalho como "uma adrenalina
que corre na veia". "Houve uma vez em
que um assaltante fez reféns em uma casa. Eu gravava de um terreno em frente;
de repente, ele começou a atirar na nossa
direção. Me joguei ao chão", conta.
Fátima Souza, repórter da Bandeirantes, escolheu essa carreira porque acredita em sua utilidade social. "É importante
exibir assaltos e mortes todos os dias. Se
as autoridades já não tomam iniciativas,
imagina se a imprensa não mostrasse."
"Na hora, não pensamos nos riscos. É
uma adrenalina incontrolável", diz Rosana Cardin, repórter da Rede TV!. Recentemente, ela se equilibrou sobre um
duto de água acima de um rio para mostrar um suicida. "Para narrar no ar, preciso presenciar o fato, chegar perto", diz.
Carlos Cavalcante, repórter da Record,
conta o episódio mais tenso de sua carreira: "Fui falar com traficantes e eles
mostraram armas pesadas. Senti medo,
estava à mercê dos criminosos."
Contudo, os repórteres não costumam
ser bem-vindos pelos criminosos, resultando em agressões e ameaças. Fernanda
de Luca, também repórter da Record,
conta que foi agredida: "O vizinho de um
suposto assassino interrompeu uma entrevista que eu fazia na rua, deu socos na
câmera, arrancou pedaços do equipamento e ameaçou a equipe".
"Sentimos medo e tremedeira depois.
Na hora, só pensamos em sair da situação", afirma Fátima Souza. Ela lembra o
momento mais perigoso que enfrentou:
"Fomos denunciar trabalho infantil em
uma madeireira. O dono da empresa não
gostou e saiu atirando na gente. Corremos, e o cara veio atrás, metendo bala. Só
não fomos atingidos porque invadimos
um batalhão da Polícia Militar".
Mas nem sempre a presença da polícia
significa proteção para os profissionais
de telejornalismo. "Na hora do "pega pra
capar", os policiais defendem a si próprios, esquecem da imprensa", afirma o
cinegrafista Nivaldo Lima, da Band. Para
que o próprio cinegrafista não "vire notícia", ele recomenda manter distância de
policiais, que podem virar alvo.
Filtro Cinegrafistas costumam ter
sensação de maior proteção e distanciamento emocional do que repórteres durante situações de risco ou tragédia. "Uso
a câmera como uma espécie de escudo.
Só lembro das imagens em preto e branco, do visor", afirma Novais.
"Com o tempo, é normal se acostumar
e ficar insensível às mortes, principalmente vendo só pelo visor", diz Lima.
Mas não foi sempre assim. O cinegrafista lembra sua primeira cobertura, uma
chacina: "Logo na entrada da casa, tive
de pular o primeiro morto, o pai. Depois
vi os filhos, também executados: dois
embaixo da cama, e um menor encolhido num canto. Foi muito impressionante. Não olhava diretamente os corpos".
Banalização Mesmo estando
acostumada a ver violência de perto,
Cardin afirma não ter perdido a sensibilidade. "Choro junto com as vítimas.
Mas é preciso ter um distanciamento."
Fátima Souza concorda: "Não perdi
ainda a sensibilidade. Quando vejo o pai
de uma vítima ainda me emociono".
Silva diz estar acostumado a encarar
chacinas sem incômodo, mas ainda se
comove quando há crianças entre as vítimas. "Quando vejo adultos mortos, não
ligo. Mas, se for criança, é diferente."
Cavalcante, com 18 anos de carreira,
afirma que seu trabalho não só tira a sensibilidade como cansa. "Contorno isso
fazendo natação e musculação."
Para Fernanda, a receita é evitar ao máximo o envolvimento emocional. "A violência desgasta. Quando saio do trabalho, me desligo; se não conseguisse, gastaria todo o meu salário em terapia."
Colaborou CARLA MENEGHINI
da reportagem local
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