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CRÍTICA
Adeus à praça pública
EUGÊNIO BUCCI
O COMÍCIO em praça pública já era. Hoje, não passa de uma lembrança folclórica, mais ou menos como o bumba-meu-boi, o saci-pererê, Jânio Quadros
e amendoim em estádio de futebol. Palanque já era.
Candidatos que faziam corpo-a-corpo, caravanas que percorriam o interior em linhas tortuosas, como a Coluna Prestes,
cabos eleitorais que perseguiam eleitores nas cercanias dos lugares de votação, como traficantes perseguem adolescentes
nas esquinas das escolas, tudo isso é passado, são práticas primitivas e pouco produtivas. Persistem apenas como nostalgia.
Ou, no máximo, persistem como
complementos de estratégias
muito mais complexas. Desde
1989, o "modus operandi" das
campanhas eleitorais passou por
uma intensa reengenharia no
Brasil. Virou uma indústria especializada ou, mais exatamente, virou um ramo especializado da indústria do entretenimento. O seu
palco não é mais a rua: é a televisão.
Em 2002, os comícios ainda
acontecerão, por certo, mas
acontecerão nas brechas deixadas pelos compromissos prioritários dos candidatos: aparições televisivas. A ida de um
candidato a uma cidade terá agora uma função meramente
complementar: a de reforçar a mensagem trabalhada na TV.
Os candidatos, que antes visitavam municípios, e tinham nisso uma prioridade, agora percorrem programas de auditório,
programas de entrevistas, programas de debates. São andarilhos virtuais. A geografia em que se movem não é mais aquela
das linhas ferroviárias (sempre havia um vagão que servia de
púlpito ao candidato em trânsito, o postulante ambulante, o
orador mambembe). Sua nova geografia é a grade de programação dos canais abertos.
Campanhas eleitorais como a que veremos neste ano constituem a principal evidência de um fenômeno muito recente,
mas crucial: a TV recobre e substitui os espaços físicos. Minutos no horário eleitoral se convertem na principal moeda de
troca na hora de se negociarem as alianças. Um marqueteiro
passa a valer mais que mil ideólogos. Vale milhões de dólares.
Pode valer a faixa de Presidente da República.
Não que os marqueteiros tenham poderes mágicos sobre
eleitores passivos e teleguiados. Não é isso. Acontece que a
linguagem da campanha, que antes era o discurso político,
passou a ser a linguagem da publicidade. Eu não quero dizer
que a publicidade seja mais ou menos racional que o discurso
político: é apenas outra língua. Antes, o discurso político até
se valia de um certo marketing,
no sentido de que lançava mão de
recursos teatrais. Jânio Quadros,
por exemplo, usava sanduíches
de mortadela para comover a audiência. A diferença é que, hoje,
em vez de o discurso político ter o
seu marketing artesanal, o marketing, ou melhor, a megaindústria do marketing é que contém a
política. A política se tornou uma
das especializações do marketing.
Ideólogos, que entram em extinção como as ararinhas azuis,
não falam a língua do marketing.
Por isso, pobrezinhos, são tão
inúteis quanto um fogão a lenha. O público de eleitores, essa
vasta platéia de consumidores vorazes, já não tem ouvidos
para ideólogos, mas compreende perfeitamente os apelos publicitários. Talvez não tenham mudado as motivações que levam um cidadão a votar neste ou naquele político, mas mudou, certamente, a língua que esse cidadão reconhece como
sendo sua. Claro que ele é capaz de formar seu próprio juízo
das coisas ou, pelo menos, é tão capaz como sempre foi, nem
mais nem menos. Hoje, porém, prefere ver um comercial partidário ou uma entrevista de TV, e dali tirar sua opinião, a ter
de se arrastar até um comício sob o sol para divisar a fisionomia de quem lhe pede confiança.
É isso o que significa dizer que a política, hoje, é resolvida segundo os paradigmas do consumo, da imagem eletrônica e
do entretenimento. Praça pública, ora essa. Isso é do tempo
em que as bandinhas bufavam em cima dos coretos.
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