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IVAN FINOTTI ivan.finotti@grupofolha.com.br
Homenagem ao velho praça
Ele sabia dirigir em 1944; assim, foi convocado e guiou seu jipe contra os nazistas na Segunda Guerra
João Barone, o baterista dos Paralamas do Sucesso, não havia nascido quando seu pai foi convocado para a Segunda Guerra Mundial. Funcionário dos Correios, João de Lavor Reis e Silva tinha duas características incomuns na época: arranhava o inglês e sabia dirigir.
Assim, juntou-se aos quadros de 25 mil pracinhas da Força Expedicionária Brasileira e seguiu para a Itália em setembro de 1944. Sua função: motorista de um dos 700 mil jipes construídos pela Jeep Willys e pela Ford como esforço de guerra do Exército norte-americano.
O carro militar tinha um motor de quatro cilindros, 65 cavalos de potência, tração nas quatro rodas e câmbio de três marchas, além da ré.
Ele guiou por montes italianos, rebocando munição através de cidades como Florença e Pisa. Nunca disse nada sobre ter matado inimigos, mas foi hospitalizado com surdez temporária após ficar sob fogo de morteiros.
Com uma pistola Luger e um capacete alemão na bagagem, Lavor voltou ao Brasil em 1945, aos 25, casou-se e teve quatro filhos. Seguiu a carreira pública, assessorando ministros. O caçula João nasceu em 1962 e só soube que o pai havia lutado na guerra pelos tios.
"Ele não falava no assunto. Descobri depois que isso é comum entre os ex-combatentes." O silêncio, entretanto, fermentou a cabeça dos parentes. "Era nosso herói silencioso", lembra João.
O Brasil recebeu muitos desses veículos norte-americanos, que acabaram descartados pelos militares a partir dos anos 1960. Vítima do vírus verde-oliva, o baterista encontrou o seu exemplar no final do século passado, num ferro-velho na via Dutra, no Rio de Janeiro.
Era um modelo caindo aos pedaços, fabricado em 1944, mesmo ano em que seu pai havia ido para a guerra.
Restaurado o jipão, o caçula o apresentou ao velho soldado. Aos 83, já debilitado, Lavor não pôde dirigi-lo. Mas comentou sua "alegria ao ver o jipe de guerra em tempo de paz". O praça morreu meses depois, no início de 2000.
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