São Paulo, domingo, 26 de maio de 2002 |
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Brasileiro na essência, "popular" deu certo
BOB SHARP ESPECIAL PARA A FOLHA Não é uma idéia nova. Na década de 30, os chefes de Estado alemão e italiano já pensavam num carro de baixo preço que os trabalhadores pudessem comprar. Daí nasceram o Fiat 500, em 1936, e o Volkswagen (justamente "carro do povo" em alemão), em 1934. Na França, a Citroën apresentava o seu 2CV, que só seria lançado depois da Segunda Guerra Mundial. No Brasil de março 1993, outro chefe de Estado, o presidente Itamar Franco, teve a mesma idéia e lançou as bases do carro "popular". O motor teria de ser limitado a 1.000 cm3 (centímetros cúbicos) de cilindrada (um litro ou 1.0), mas a classificação foi estendida ao Fusca, à Kombi e ao Chevette, os três com motor de 1,6 litro. O que caracterizou o carro "popular" foi seu menor preço, resultado de um IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) simbólico de 0,1%. Antes começava em 20% para os carros com motor de até um litro, atendido inicialmente pelo Uno Mille, surgido em agosto de 1990, acompanhado (um ano e meio depois) pelo Gol 1000, com Chevette Junior e Escort Hobby na sequência. Esses modelos logo se beneficiaram da diretriz de Itamar Franco. Feitas as contas da redução do imposto e com compromisso por parte dos fabricantes, custavam US$ 7.200, o que daria hoje por volta de R$ 17 mil. Dois foram os motivos que podem ter levado o presidente a criar o carro "popular". Um foi a necessidade de acordar a indústria automobilística e com isso alavancar a retomada do crescimento, no que acertou em cheio. No gosto do consumidor O produto caiu no gosto do consumidor mais pela questão preço do que qualquer outro fator. Passados nove anos, o segmento representa mais de 70% das vendas no mercado interno, num crescimento incessante ano após ano. Outro motivo foi um bem provável componente sentimental. O presidente namorava Lisle Lucena, filha do senador Humberto Lucena -e ela tinha um Fusca. Nos momentos em que estiveram juntos a bordo do veículo, muito deve ter passado pela cabeça de Itamar Franco. Por que não ter o Fusca, carro "popular" até no nome original e descontinuado em 1986, produzido novamente? Pierre-Alain de Smedt, presidente da Autolatina (criada em 1987 pela fusão da Ford e da Volkswagen brasileiras, que se tornaram divisões), atendeu ao pedido de Itamar e poucos meses depois o Fusca era relançado, inicialmente só a álcool. Há razões de sobra para acreditar que esse tenha sido o "pedágio" para que Fusca e Kombi 1.6 fossem classificados como "populares". Como na época já eram produzidos quatro modelos com motor 1.0, não é especulação dizer que a volta do Fusca se baseou mais em questões sentimentais do que em qualquer outra. E a General Motors aproveitou bem o momento para incluir o Chevette L com motor 1.6 na categoria "popular" (o Chevette Junior não havia agradado), com a promessa de apresentar, em um ano, um novo modelo com propulsor de um litro. Cumpriu a promessa: o Corsa Wind foi lançado em fevereiro de 1994. "Popular" é apelido Hoje o "popular" -só um apelido, pois a alíquota 0,1% do IPI desapareceu em 1997 e subiu para os 10% de hoje- faz parte da paisagem brasileira. De carro despojado, como o primeiro Fiat Mille, esse tipo de veículo passou a oferecer itens de conforto e conveniência do tipo direção hidráulica, ar-condicionado e mais instrumentos. Principalmente nos últimos dois anos, a oferta se ampliou bastante, a ponto de existir hoje cerca de 30 modelos, sem contar as versões. As fábricas esmeram-se em aprimorar os carros com motor 1.0, já que a alíquota de 10% do IPI as favorece e, por tabela, o consumidor cada vez mais exigente. Existe até versão com turbocompressor, o Gol/Parati Turbo de 112 cv (cavalos) e, em breve, chegará o novo Ford Fiesta dotado de compressor, com 95 cv. A Volkswagen oferece versão com motor 16V de aspiração normal que chega a nada menos que 76 cv, e a GM acabou de lançar o Corsa com motorização de duas válvulas por cilindro que desenvolve 71 cv de potência. Até embreagem automática é disponível para o Chevrolet, sistema que a Fiat ofereceu e parou em pouco tempo. Na base da pirâmide, encontra-se o Fiat Mille de 55 cv, modelo que completou 18 anos de existência, cujo preço público sugerido, pela internet, é de R$ 12.928,13 -ou US$ 5.500-, portanto bem abaixo do preço "popular" de 1993 (sem esquecer que o dólar também se desvaloriza). É um modelo antigo, de linhas ultrapassadas, mas seu espaço interno inigualável é outro grande trunfo. Quem puder pagar mais tem à disposição os "topos de linha" dos 1.0, cujos preços ficam sempre acima de R$ 16 mil e chegam a R$ 25.538, como o Gol Turbo mais barato, o 16V Plus de três portas. Mas o Palio Young Fire, por R$ 14.230 pela internet, merece consideração. Fiat, General Motors e Volkswagen produzem versões de um litro a álcool, embora dificilmente sejam encontrados para pronta entrega. Os preços sugeridos pelos fabricantes sempre são básicos. Quando o comprador escolhe equipamentos e acessórios opcionais, aplicados na linha de montagem ou pela concessionária em regime aprovado pela fábrica, esses preços podem subir de 30% a 40%. É sempre aconselhável analisar bem antes de fechar negócio. Menor desempenho Para o candidato a proprietário de carro "popular", fica a grande questão de como conviver com o inegável menor desempenho. Nesse ponto tudo se resume em gosto pessoal. Sem contar o Gol/ Parati Turbo, de desempenho típico de um bom 2.0, é bom lembrar, contudo, que os demais vêm melhorando bem suas aptidões de aceleração, retomadas e velocidade máxima. Vale lembrar que o primeiro Passat com motor 1.5 dispunha de apenas 65 cv, e ninguém o julgava lento. O desempenho dos atuais 1.0 satisfaz a maioria das pessoas, embora seja necessária adaptação do motorista, que deve explorar toda a faixa de rotação do motor por meio das marchas (assusta no começo, mas o motor foi feito para isso), se quiser acompanhar os de motores maiores. Há também que considerar as menores velocidades de hoje -na prática, não nos limites fixados, que são até mais altos depois que o Código de Trânsito Brasileiro entrou em vigor. O valor mais elevado das multas por trafegar acima da velocidade máxima permitida, conjugado com sua medição eletrônica, torna improvável alguém trafegar a mais de 120 km/h nas rodovias de pista dupla. Assim, até os automóveis com motor "mil", capazes de alcançar pelo menos 145 km/h, dispõem de razoável reserva de potência. O carro "popular" brasileiro deu mesmo certo. E vale a pena. Bob Sharp, 59, é jornalista e técnico de construção de máquinas e motores. Foi piloto, concessionário e trabalhou em diversas áreas da Fiat, da General Motors, da Volkswagen e da Embraer Texto Anterior: Renault foi a que mais ampliou oferta de 1.0 Índice |
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