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"COMFORT FOOD"
BAH, QUE SAUDADE DO SUL
Com ‘cacetinhos’, ‘bergamotas’ e delícias regionais, supermercado vira oásis de gaúchos em São Paulo
IRENE RUBERTI
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Para gaúchos que moram em
São Paulo, ir ao supermercado
deixou de significar só abastecer a geladeira. Desde março,
quando foi aberto o shopping
Bourbon Pompéia e com ele
uma fililal do hipermercado
gaúcho Záffari, os nativos do
Rio Grande passaram a encontrar nas prateleiras produtos
que só reviam nas visitas ao Sul.
Erva-mate fresca, cortes de
carnes especiais para churrasco, geléias do tipo schmier e bolo Marta Rocha, agora, fazem
parte da lista de compras e ajudam a matar a saudade de casa.
Sem falar em guloseimas com
gostinho de infância, como as
cucas, que mexem com a memória afetiva de quem cresceu
no Rio Grande do Sul.
Por conta dessa oferta, o
mercado se tornou um ponto
de encontro de gaúchos desterrados. Lá, um gremista nem liga
se cruzar um colorado no corredor, porque sabe que o local é
uma espécie de CTG (Centro de
Tradições Gaúchas).
Clientes contam que não é
raro esbarrar em conhecidos
no Záffari. E quem não se conhece acaba fazendo contato.
"É comum alguém ouvir o sotaque e vir puxar conversa", diz o
estudante de engenharia Vinícius Zanchin, há quatro anos e
meio em São Paulo.
"Esse é o meu supermercado
agora", comemora o assessor
parlamentar Sérgio de Carvalho, que todo domingo sai de
sua casa em Pinheiros, na zona
oeste, para fazer compras na
Pompéia. Gaúcho de Uruguaiana, ele diz que, agora, não faltam em sua casa a cuca (bolo
alemão coberto com crosta de
farofa doce feita de manteiga,
farinha e açúcar) e a erva-mate
"da mesma marca que eu comprava no Sul". "Os nomes dados
aos cortes de carne também são
mais familiares, como vazio e
bife ancho", diz. No açougue, há
vários tipos de corte de carne
que seguem o estilo gaúcho,
fornecidos por frigoríficos regionais."Em São Paulo, se você
vai a um açougue e pede paleta,
tem gente que nem sabe o que
é. Aqui você encontra não só
paleta como outros cortes tradicionais no Sul", diz o estudante Zanchin.
O Záffari vende também o
charque como é consumido no
Sul, diferente daquele que faz
sucesso no Nordeste. A costela
bovina segue as tradições gaúchas e tem corte próprio para
ser feita na churrasqueira.
Zanchin também é fã das gajetas (do espanhol, galleta),
uma espécie de bolacha uruguaia comum no Sul, que ele
encontra fresquinhas na padaria do supermercado. Outra
versão das gajetas são os biscoitinhos "vovó sentada", uma novidade para os paulistanos.
São justamente os biscoitos
que levam a bancária Marina
Coelho da Cunha a sair de casa
na Vila Mariana, na zona sul,
para fazer compras na zona
oeste. Amigos gaúchos que já
foram ao hipermercado falaram sobre as guloseimas e atiçaram as lembranças de de Marina. "Sou viciada nesses biscoitinhos de mel com cobertura.
Quando vou para o Sul trago alguns pacotes", diz ela, que mora
há seis anos em São Paulo. A erva-mate também faz parte de
sua lista de compras.
"Em outros supermercados
até se encontra erva-mate, mas
normalmente é embalada a vácuo e tem poucas opções. No
Záffari há boas marcas e você
encontra a erva fresca", diz Jaqueline Marques, outra frequentadora. Em conversas com
conterrâneos, ela viu que muitos começaram a preparar em
casa pratos típicos do Sul, que
antes não saíam do caderno de
receitas por falta de ingredientes. "Hoje mesmo estou preparando uma comida que leva nata, muito comum no Sul, mas
não aqui", diz.
A comunidade gaúcha ficou
tão satisfeita com a inauguração de uma filial da rede em São
Paulo que criou até uma comunidade no Orkut: "Finalmente
um Záffari em São Paulo". Mas
algo que causou estranheza entre eles foi ver o nome do mercado com acento. A empresa
optou pela acentuação para
evitar que os paulistanos continuassem a pronunciar errado o
nome da rede. Além de comemorar a oferta de produtos regionais, os membros da comunidade exaltam o bom atendimento no híper.
A rede, que surgiu em 1935
em Erechim, chegou a Porto
Alegre em 1960. Ali, os gaúchos
se sentem em casa. Na balança
da padaria, por exemplo, o pão
francês também aparece como
cacetinho, como é chamado no
Sul. Na hora de escolher produtos comuns, como um litro de
leite ou um pote de iogurte, há
marcas familiares disponíveis,
como a Piá, de Nova Petrópolis.
Paulistas têm suas queixas
Consumidores paulistas estranham
nomenclaturas regionais
usadas pelo Záffari, caso
do "vazio", corte de carne aparentado
da fraldinha. Outra
queixa é a falta das bandejas
com cortes prontos para bife,
em contraposição à variedade
de carnes para churrasco. A escassez
de marcas boas de pão
italiano é outro ponto contra,
para as preferências locais. No
setor de vinhos, a seleção com
2.000 rótulos inclui muitos
nomes desconhecidos por
aqui. Entre os acertos, há o
argentino Catena e o chileno
Trio, mas faltam os básicos italianos
e franceses, abundantes
em outros supermercados.
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