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BAGAGEM [mundo afora]
Compra anti-culpa
HELOÍSA HELVÉCIA
EDITORA DO VITRINE
Na "capital da moda"", você
faz a pé o trajeto obrigatório
das compras, enquanto o verão
europeu crava 38 graus à sombra e o transforma em uma paródia da manjada elegância milanesa: perna inchada, roupa
vencida, pele melada de suor.
Só falta mesmo passar farinha
para fritar ainda mais.
Tem que suar a camiseta até
chegar à esnobe galeria Vittorio
Emanuelle ll, espécie de precursora dos shoppings. Ali, você integra o enxame de forasteiros que olham para a vitrine
da Prada com a mesma reverência com que olharão para a
"A Última Ceia", caso consigam
agendar uma visita à igreja Santa Maria delle Grazie.
Pode-se até desistir de ver Da
Vinci, mas de comprar ninguém desiste em Milão. Problema de caixa não é questão, porque ali mesmo, na entrada suntuosa da galeria, estão os camelôs, os uniformes mal-acabados
do time local, as versões genéricas das bolsas que habitaram as
vitrines na coleção passada e
outras coisas que são "típicas"
em qualquer parte do mundo.
Para chafurdar em mais luxo,
é só cruzar a Vittorio Emanuelle e pegar a via Manzoni que,
com a Montenapoleone, a Sant'Andrea e a della Spiga, reúnem a maior concentração de
grifes coruscantes por metro
quadrado do cosmo. É o chamado Quadrilátero de Ouro.
Mas cada um no seu quadrado. Por mais que os miolos
amoleçam sob o sol da Lombardia, a louca sucessão de logotipos estrelados e preços astronômicos acaba por promover
uma dessensibilização. As tentações consumistas arrefecem
-é a overdose de etiquetas.
Roupa nova para quê, se você só
sonha, agora, com o momento
de se livrar da sua?
Não há Versace, não há Armani capaz de mudar o desconforto térmico. A única etiqueta
que interessa nesse calor é a
praticada por um café na via
Brera, quase em frente à Pinacoteca, que tem a decência de
manter um megaventilador aspergindo água sobre as mesas
avançadas para a rua. Banho
grátis, isso sim é chique, em
tempo de aquecimento global.
É bom tomar um sorvete debaixo desse brinde refrescante.
Antes, é praxe esquadrinhar
a Pinacoteca com seus céus de
Rafael, com seus Caravaggio,
com aquela quantidade um
tanto monótona de "Madonna
col Bambino" e também com
aquele ar condicionado mais
eficiente que o de seu hotel.
Brera é o bairro boêmio. Nem
por isso mais amigável em preços. Uma delícia se perder pelas
ruas estreitas cheias de lojas fofas, moda vintage e vitrines que
são obras de arte. Antro de grifes descoladas, sapatos de design precioso, bijoux originais.
Parabéns, você resistiu às
drogas pesadas, vazou incólume pelo quadrado da fama sem
cometer nem um lencinho de
"marca". Agora, compre.
Surge, na esquina da ruela
com chão de pedras, uma Bottega Del Mondo. É uma dessas
lojas de utopia espalhadas pela
Europa, que trabalham em rede, praticando o chamado comércio justo de produtos éticos. Dá-lhe comprar sem culpa,
como fazem os "scuppies"
(Standing for Socially Conscious Upwardly Mobile Persons), consumidores que mesclam atitudes hippies e yuppies, esforçando-se para harmonizar consumo requintado e
preocupação ecológica.
Não é porque o negócio é todo comprometido com cooperação social, responsabilidade
ambiental e comunidades em
risco que se encontram ali artesanato tosco, reciclados ridículos ou camisetas piegas. No máximo, uma "t-shirt" zoando,
num trocadilho infame, a grife
Valentino: "Violentino".
O templo milanês do consumo solidário tem quatro ambientes aconchegantes. Parece
uma casa onde acontece um bazar informal, mas tudo é disposto de um jeito que faz o visitante abrir a mão. Tem jóias étnicas incríveis e jeans orgânicos sem logo, mas com preço
transparente, como tudo ali,
aliás. Quem quiser fica sabendo
onde, como e por quem foi feito
cada item exposto e que porcentagem exata das vendas vai
para o produtor.
Atrai mais o artesanato, de
várias partes do mundo. Se você é turista atrás de suvenir,
tem esse porém: a maior parte
das coisas vistosas, nesse armazém de economia solidária, é
feita em países pobres, não na
Itália. Nem lá, nem na China.
Mas, na divisão dos produtos
alimentícios naturais, tem um
monte de delícias saídas de
cooperativas rurais italianas:
biscoitos, temperos, chocolates... Não é a camisa do Milan,
mas não pesa na mala, no bolso
ou na consciência.
ONDE ENCONTRAR
Bottega Del Mondo
via Mercato, 24, Brera
www.coopfilo.it
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