São Paulo, sexta-feira, 02 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ O RELATÓRIO DAS CPIS

Abi-Ackel e Serraglio dedicam sete páginas a ex-ministro; foram usados contra ele depoimentos de mulher de Valério e tesoureiro do PTB

Texto se apóia em Jefferson para citar Dirceu

Lula Marques/Folha Imagem
Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG) lê relatório ao lado de Osmar Serraglio (PMDB-PR) em sessão conjunta das CPIs do Mensalão e dos Correios


DO ENVIADO ESPECIAL A BRASÍLIA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Das 61 páginas do relatório parcial elaborado pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, sete são dedicadas ao ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP). Pelo texto, houve quebra de decoro de Dirceu, embora ele não fosse deputado à época das denúncias.
O ex-ministro mereceu dos relatores Osmar Serraglio (PMDB-PR) e Ibrahim Abi-Ackel (PP-MG) um capítulo à parte das citações de 18 deputados que, de acordo com o documento, quebraram o decoro parlamentar.
A maior parte das acusações contra Dirceu é baseada nas denúncias do deputado federal Roberto Jefferson (PTB-RJ) que, em entrevista à Folha em junho, denunciou a existência do "mensalão" e apontou o ex-ministro como "criador" do esquema. O Conselho de Ética da Câmara aprovou ontem a cassação do deputado do PTB. Para que seja válida, porém, terá de ser ratificada em plenário.
No relatório, apreciado e aprovado ontem conjuntamente pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, Serraglio e Abi-Ackel argumentam que, mesmo sem estar no exercício do mandato de deputado quando foram praticadas as supostas irregularidades com recursos das empresas de Marcos Valério Fernandes de Souza, o ex-ministro incorreu na quebra de decoro porque "trata-se de parlamentar que se licenciou para ser alçado a ministro". José Dirceu, embora exercendo a função de ministro, optou por continuar recebendo o salário da Câmara.
Os relatores basearam sua decisão no parecer número 89, de 1995, da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) do Senado. O parecer foi emitido pelo ex-senador Josaphat Marinho para atender a uma consulta da Mesa Diretora, que discutia fatos anteriores ao mandato parlamentar. De acordo com o parecer de Marinho, "atos e fatos passados, sobretudo se recentes, a depender de sua natureza e circunstâncias, podem projetar-se no tempo e alcançar e perturbar o procedimento do parlamentar e atingir a instituição [o Senado]".

Atropelo
Ontem, José Dirceu não quis se manifestar sobre o relatório conjunto das CPIs. Anteontem, no entanto, ele acusou Serraglio de quebra de decoro por estar "excedendo as prerrogativas dele".
"Como ele pode me chamar de chefe de corrupção, que eu nomeava? Onde está provado que há corrupção, se a CPI não terminou os relatórios ainda, se o Ministério Público não apresentou denúncia e a Justiça não decidiu? Evidentemente que isso é um atropelo, isso é um processo sumário, sem direito de defesa, sem o processo legal, sem o contraditório", afirmou Dirceu.
A descrição sobre as supostas irregularidades que teriam sido praticadas pelo ex-ministro aproveita trechos dos depoimentos de Jefferson, da mulher de Valério, Renilda, e do tesoureiro informal do PTB, Emerson Palmieri. O relatório lembra que Jefferson descreveu Dirceu como o "articulador do esquema de distribuição de pagamentos a deputados em troca do apoio ao governo em votações de seu interesse; melhor que distribuir os projetos seria domesticar os parlamentares".
Do depoimento de Renilda, os relatores utilizaram a parte na qual ela afirma que seu marido, o ex-ministro e diretores do banco BMG participaram de reuniões e que Dirceu sabia dos empréstimos realizados por Marcos Valério para repasse de dinheiro ao PT. De Palmieri, o relatório anota que, em suas declarações à CPI do Mensalão, o tesoureiro informal do PTB afirmou que o ex-ministro sempre era consultado após reuniões com dirigentes do PT.
Serraglio e Abi-Ackel destacaram, ainda, a compra de um apartamento por Maria Angela Saragoça, ex-mulher de Dirceu, com empréstimo imobiliário no valor de R$ 42 mil no Banco Rural. Marcos Valério também ajudou a ex-mulher do petista a obter um emprego no banco BMG. Os empréstimos para o PT foram obtidos nesses dois bancos.
Na defesa apresentada por escrito à CPI dos Correios, José Dirceu afirma que as acusações de Jefferson são "desprovidas de prova e seriedade", e que o procedimento adotado pelo relator, "fruto de sua atitude isolada", é inusitado, sem parâmetros nos trabalhos da CPI.
O petista também busca amparo nas declarações do ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares para afirmar que o "mensalão" não existe. "As pessoas relacionadas com os empréstimos obtidos foram unânimes em informar que os recursos destinavam-se a saldar dívidas de agremiações políticas, essencialmente ligadas a campanhas eleitorais." (CHICO DE GOIS, FERNANDA KRAKOVICS E RANIER BRAGON)

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