São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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ENTREVISTA

Para Sônia Míriam Draibe, da Unicamp, habitação e saneamento estacionaram, enquanto educação registrou avanços

País vive dois ritmos em políticas públicas

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

Há coisas no Brasil que melhoram nos últimos anos, como a educação. Outras pioram ou estão estagnadas, como a habitação e o saneamento básico. É o que diz Sônia Míriam Draibe, 58, do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
Os programas avaliados pelo núcleo não pertencem só às esferas da União e dos Estados, que têm seus governantes escolhidos hoje. Dizem também respeito aos municípios, que bem ou mal têm hoje mais responsabilidades e dividem os elogios por seus acertos ou as críticas por seus malogros.

Folha - Há metodologias que permitam apontar as melhores e as piores políticas públicas?
Sônia Draibe -
Creio que sim. Se olharmos para a década de 90, o país tinha como meta terminar a universalização do ensino fundamental e começar a mexer nos nós da educação, que eram os baixíssimos salários dos professores, a formação deficiente deles e ainda a pequena cobertura do segundo grau, que apesar de tudo ainda tem hoje matriculados só 32% das crianças da faixa etária equivalente. Eram 16% em 1991. No caso do ensino elementar, frequentam a escola 97% das crianças, em lugar dos 89% no início da década passada. Isso já é, estatisticamente, universalização. Na França, o ensino é universalizado, mesmo se 4% das crianças não estejam matriculadas. Como há mais crianças saindo da escola elementar, há também demanda maior pelo ensino de segundo grau.

Folha - Como estão a repetência e a evasão escolar?
Draibe -
A cada 100 crianças que se matriculavam na primeira série no começo da década, menos de 50 terminavam a oitava série. Mas as coisas estão melhorando bem aos poucos. A taxa de evasão caiu de 5,3%, em 1995, para 4,8%, em 2000. Nesse período, a repetência caiu de 30% para 21,6%.

Folha - E a qualidade desse ensino. Ela piorou, melhorou?
Draibe -
Em primeiro lugar, o sistema é descentralizado, com parte dos recursos do governo federal e a execução de Estados e municípios. Estes aliás são os que põem mais dinheiro. Há mais de 5.000 redes municipais. São elas que registram a mais baixa qualificação. Como tratar da questão dos salários? Só no ensino fundamental há mais de 1,2 milhão de professores. No Estado de São Paulo são 250 mil. Qualquer mexida na folha salarial dá um aumento de despesas considerável.

Folha - Há um círculo vicioso?
Draibe -
Exato. Baixo salário dá em má qualificação, e não se melhora a qualificação se não se desatar o nó salarial. É nesse ponto que foi importante o Fundef (Fundo de Valorização do Ensino Fundamental). Estados e municípios investem, e a União se obriga a completar quando não se reunir pouco mais de R$ 400 anuais por aluno. Parte desse dinheiro, 60%, pode ser usada para melhorar salários dos professores da rede.

Folha - Saneamento e habitação têm dado certo?
Draibe -
Não. São exemplos daquilo que não cresce na velocidade que poderia crescer. Saneamento e habitação estão interligados. Na época do BNH (Banco Nacional de Habitação) havia um sistema de financiamento. Mesmo assim, uma ressalva: em 24 anos o BNH fez 30 milhões de unidades habitacionais. Mas só 3% foram habitações populares. E ao mesmo tempo, após a expansão das redes de saneamento nos anos 70, as prefeituras não tiveram acesso a esses fundos. Com o fim do BNH, acabou a política nacional de saneamento, embora a Caixa Econômica tenha programas na área, ainda que reduzidos.

Folha - Qual o tamanho do déficit habitacional?
Draibe -
Faltam 6 milhões de habitações. É o que se diz mais consensualmente. Um quinto dos domicílios não é servido por redes de água, e 35% não são alcançados por redes de esgoto, segundo o IBGE. Não há financiamento para melhorar isso. As prefeituras estão meio perdidas.

Folha - Falemos da saúde, que entrou na linha de mira na campanha eleitoral. Qual grande nó persiste?
Draibe -
É problemático desafogar a rede nas regiões metropolitanas. E isso se faz com investimentos em redes secundárias. Não se pode fazer do hospital a porta de entrada de tudo. Hospital não é para fazer curativos. É preciso acelerar o aumento da produtividade dos postos de saúde, que hoje fazem o que não faziam há alguns anos. Mesmo assim, ainda falta o hospital pequeno, secundário. Esperava-se que ele surgisse para completar o SUS (Sistema Único de Saúde).

Folha - Há no Brasil algo de algo de inédito e que deu certo?
Draibe -
Sim. Na década de 90 o país criou mecanismos de transferência de recursos, em dinheiro, para os mais pobres [..." Essas transferências estão em quase 2,5% do PIB, se juntarmos bolsa-escola, bolsa-alimentação, programa de erradicação do trabalho infantil ou aposentadorias de trabalhadores agrícolas.



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