São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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ELIO GASPARI

O fiscal foi premiado

As coisas boas também acontecem. Na próxima sexta-feira, três pessoas receberão em Casablanca, no Marrocos, o prêmio Integridade, da organização Transparência Internacional, conhecida por divulgar anualmente seu ranking de corrupção internacional. (O Brasil está em 45º lugar numa lista de 102 países, pior que o Uruguai, melhor que a Argentina.) O prêmio Integridade tem três anos de existência e pela segunda vez sai para um brasileiro. É Luís Roberto Mesquita, o empresário de 43 anos que quebrou as pernas da máquina de corrupção política em Guarulhos. Com ele, uma juíza eslovaca que dedetizou a Corte Distrital onde serve e um farmacólogo alemão que denuncia as relações incestuosas entre laboratórios, planos de saúde e médicos.
Mesquita é uma boa lembrança para dia de eleição. Sua cidade, Guarulhos, tem 1,1 milhão de habitantes. É a maior de São Paulo, depois da capital, e a terceira em arrecadação. Foi berço dos Mamonas Assassinas. Tem a quarta população de favelados do país. Era dominada por uma cleptocracia clássica.
No início dos anos 90, os vereadores recebiam mesada do prefeito (US$ 8.000 mensais ou "docinho", como ele denominava os pacotinhos de dinheiro). A caixinha municipal tomava em torno de 30% de comissão aos fornecedores e concessionários de serviços de ônibus ou coleta de lixo. Chegava a 50% em contratos de fornecimento de pedras. Havia obras fantasmas e até mesmo extorsões que acabaram provocando a migração de um pedaço do laboratório Pfizer. Pode-se dizer que Guarulhos seguia o padrão de corrupção política da Baixada Fluminense.
A máquina de corrupção tinha amparo eleitoral (muitas vezes em troca de vasectomias e laqueaduras). Olhada de fora, parecia invencível. Com a ajuda da igreja, ela foi abatida por uma derrota eleitoral, que em 1997 colocou na prefeitura um político capaz de assinar um protocolo comprometendo-se a não roubar. Luís Roberto Mesquita era então um jovem administrador de empresas, cuidava da loja de seu pai e presidia a Associação Comercial. Foi testemunha desse compromisso e assinou o documento ao lado do prefeito. Sete meses depois, puf. O prefeito estava engordando seu patrimônio. Com a ajuda do Ministério Público e de alguns políticos, juntaram-se provas, gravações e até mesmo vídeos obtidos com microcâmeras.
No rastro das denúncias, um secretário de finanças da prefeitura foi assassinado, o gerente de uma empresa de segurança foi acusado de ter mandado matá-lo e apareceu com 12 tiros no corpo. (O dono da empresa desapareceu da cidade e, provavelmente, do país.) Um vereador teria se matado com um tiro na cabeça. Mesquita foi ameaçado de morte.
Para encurtar a história, ela termina com o impedimento do prefeito Néfi Tales, em 1998 (primeiro pela Justiça, depois pela Câmara), e com a prisão de três vereadores (colocados num camburão).
Na eleição de 2000, a Câmara da Guarulhos passou de 21 para 33 cadeiras. Só oito dos antigos vereadores reelegeram-se. Drenada boa parte da corrupção, Guarulhos conseguiu dobrar o número de estudantes na rede pública, de 24 mil para 48 mil. Diminuiu a mortalidade infantil. Recolhe-se mais lixo e paga-se menos à empresa. O dinheiro economizado permitiu que se colocassem de pé alguns programas de proteção social.
Mesquita não pretende fazer política. Arrepende-se de ter se filiado a um partido. Não declara seu voto. Cuida de seus negócios no ramo imobiliário.

O feitiço do pefelê acabou enfeitiçado

Seja qual for o resultado das eleições de hoje, a política brasileira livra-se hoje de um mito murrinha: o profissionalismo e a esperteza da caciquia do PFL.
O velho e bom pefelê vive uma fase de inspiração churchilliana: "Nunca tão poucos fizeram tanta besteira em tão pouco tempo".
Inventaram a candidatura de Roseana Sarney e prometeram que não a deixariam transformar-se numa Joana D'Arc. De fato, não a levaram para a fogueira, mas fizeram de conta que não viram quando o tucanato a colocou naquilo que parecia ser uma vitrine e era um forno de microondas. Dividiram-se e penderam para a candidatura de Ciro Gomes, sem saber direito do que se tratava.
Conseguiram um milagre: brigaram com o governo para não ir a lugar algum. Um dos espetáculos mais divertidos dos próximos meses será a observação das acrobacias que o pefelê fará para descobrir o que é oposição ou, noutra hipótese, para voltar ao regaço do poder.

O robot-editor substitui o editor-robot

Uma boa notícia para quem detesta jornalistas. Pelo menos uma parte dessa espécie pode estar a caminho da extinção. São aqueles que, com os mais diversos títulos, vivem de selecionar as notícias trazidas pelos outros. Começou a funcionar na internet um sítio chamado "Google News". Ele trabalha sem nenhuma participação humana. O computador fica o dia inteiro no ar catando notícias em 4.000 publicações e emissoras. A qualquer momento, oferece cerca de 200 assuntos, divididos em seis categorias (Mundo, EUA, Negócios, Ciência, Diversão e Saúde).
Por exemplo: na manhã de sexta-feira, oferecia 102 notícias relacionadas à eleição brasileira. Ia do "New York Times" ao "Scotsman". À mesma hora, na seção de saúde, havia 35 notícias sobre a pesquisa australiana que revoga a tese segundo a qual as mulheres são o lado tenso e explorado dos casamentos.
O "Google News" seleciona as reportagens e leva o curioso às páginas dos veículos que as oferecem. Não avalia nem julga. Isso às vezes leva-o a produzir escolhas desconexas, mas uma coisa é certa: faz uma coisa que nenhuma estrutura humana poderia fazer com o mesmo grau de de eficiência.
O editor-robotizado tem também um mecanismo de pesquisa que permite chegar à edição do jornal canadense "The Globe and Mail" em que Francisco Gros teria insinuado que deixaria a Petrobras por conta de pressões políticas. Lendo-o, percebe-se que, se a notícia é falsa, como diz Gros, "ataque de loucura do jornalista" também não foi. Foi coisa de quem sabia muito bem o que estava fazendo. O repórter, ao publicar o que Gros disse (ou não disse). Ou Gros, ao desmentir o que não disse (ou disse).
Infelizmente, a base de busca do Google limita-se a veículos de língua inglesa. De qualquer forma, aqui vai o bem-aventurado endereço: http://news.google.com/

Erro

Estava redondamente errada a notícia aqui publicada de que FFHH deu à Argentina um novo regime automotivo pelo qual ao longo dos próximos três anos ela exportaria para o Brasil veículos com 80%, 90% e 95% de valor proveniente de outros países. Num exemplo mencionado, os argentinos poderiam vender ao Brasil carros Mercedes-Benz alemães lavados por bolivianos em Buenos Aires.
Esse favorecimento simplesmente não aconteceu. Foi mantido o princípio básico do Mercosul de que as peças importadas de terceiros países fora da região não poderão exceder 40% do valor do automóvel.
Errada a informação, tornou-se imprópria e injusta a afirmação de que FFHH estava exercendo a má prática do testamento de fim de governo. A ele, as desculpas pela conclusão. Aos leitores, as desculpas pela informação errada e, novamente, pela conclusão injusta.
Com graça, o ministro Sergio Amaral, atribuiu a nota, intitulada "FFHH faz mais testamento", a Eremildo, o Idiota. Injustiça de Amaral. Eremildo é idiota, mas não comete erros factuais.

Hipocrisia

Depois de ter sido tratada como se fosse maluquice, a idéia de discutir a criação de um sistema de cotas para estimular a entrada de negros nas universidades públicas brasileiras entrou na agenda de dois candidato à Presidência.
Surgiu um novo obstáculo. Como seria possível dizer quem é e quem não é negro?
Alguém já viu um branco dizendo que é negro?
Acreditar que o debate das cotas possa ser interditado por conta de uma imprecisão cromática é algo tão inteligente quanto dizer que há poucos negros nas universidades federais porque nunca se descobriu uma maneira de contá-los.
Para o registro: a percentagem de negros nas universidades federais brasileiras é menor que o de negros sul-africanos nas escolas superiores ao tempo do apartheid.

Lugar importante

Para a turma do papelório, o cargo mais importante da República é a presidência do Banco Central. É um lugar relevante, mas nove em cada dez pessoas preocupadas com o escolhido estão preocupadas mesmo é com o ervanário do andar de cima e, quase sempre, com o delas mesmo.
Pelo andar da carruagem das contas nacionais e pelo mau estado das relações de FFHH com George W. Bush, um dos postos mais importantes a serem preenchidos pelo novo governo é o de embaixador do Brasil em Washington.

POESIA

Cacaso

A partir de quinta-feira, as livrarias começarão a receber "Lero-lero", com a obra poética completa e 39 poemas inéditos de Antonio Carlos de Brito, o Cacaso. Ele viveu 43 anos, até 1987. Foi um talentoso poeta da chamada "geração mimeógrafo", que fazia poesia a troco de nada nos anos 70. Se Cacaso fosse mais sério, ficaria mais parecido com Manuel Bandeira. Se Bandeira fosse mais escrachado, seria parecido com Cacaso. Num dia de eleição, Cacaso é o melhor remédio.

Surdina
(inédito)

Primeiro o Tenório Jr. que sumiu na Argentina
Depois quando perigava onze e meia da matina
veio a notícia fatal: faleceu Elis Regina!
Um arrepio gelado um frio de cocaína!
A morte espreita calada na dobra de uma esquina rodando a sua matraca tocando a sua buzina
Isso tudo sem falar na morte do velho Vina!
E agora é Clara Nunes que morre ainda menina!
É demais! Que sina!
A melhor prata da casa o ouro melhor da mina
Que Deus proteja de perto a minha mãe Clementina!
Lá vai a morte afinando o coro que desafina...
Se desse tempo eu falava do salto da Ana Cristina...

Monumento
(inédito)

Merda de pombo
Doença da pedra

Jogos Florais
(1974)

Minha terra tem palmeiras onde canta o tico-tico.
Enquanto isso o sabiá vive comendo o meu fubá.
Ficou moderno o Brasil ficou moderno o milagre: a água já não vira vinho, vira direto vinagre.

Fazendo as contas
(1975)

Vi meu amor chorando duas vezes.
Numa nos conhecemos. Noutra nos despedimos.

Sina
(1975)

o amor que não dá certo sempre está por perto.

Happy end
(1975)

o meu amor e eu nascemos um para o outro
agora só falta quem nos apresente

Exceção
(Para Maria Borges, 1982)

desconfio que todos os meus atos são pretextos.

Nova República
(Inédito)

Se o sr. me permite
Vou arriscar um palpite
Quem quiser que acredite
O inferno é o limite
Para abrir o apetite
Do povo e da elite
A política nomeia
A administração demite
(Antes de usar, agite...)


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