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LULA
Partido profissionaliza a campanha, constrói pontes com ex-desafetos e promove guinadas em seu discurso para conquistar a Presidência
PT concede quase tudo para "última cartada" de seu líder
PLÍNIO FRAGA
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL
O PT chega ao dia da eleição
presidencial vivendo um paradoxo. Desde dezembro do ano passado, o partido traçou como estratégia o confronto com uma
candidatura situacionista no segundo turno. Mas há 15 dias
-quando Luiz Inácio Lula da Silva, 56, atingiu 48% dos votos válidos- surpreendeu-se com o
crescimento expressivo das chances de uma vitória já no primeiro
turno, hipótese impensável antes.
Se frustrada essa possibilidade,
a realização do segundo turno pode causar danos ainda não mensuráveis à candidatura Lula, que
vinha embalada por adesões políticas e empresariais não previstas
em razão da possibilidade de vitória definitiva no pleito de hoje.
Oficialmente, o discurso do PT é
de tentar obter o máximo de votos no primeiro turno, com militantes indo às ruas sem a preocupação de encerrar ou não agora.
Mas internamente o discurso de
vitória no primeiro turno vaza até
em comunicados oficiais, como
em carta enviada aos filiados pelo
presidente do PT, José Dirceu:
"Devemos trabalhar com cenário
de segundo turno, mesmo que a
tendência seja Lula ganhar no primeiro turno. É importante ter em
mente que muitas candidaturas
do PT, por todo o Brasil, são "de
chegada", ou seja, estão crescendo
agora na reta final e cabe a nós, cabe à militância, levá-los ao segundo turno ou à vitória", escreveu
Dirceu, na semana passada.
Vencer no primeiro turno significaria poder montar uma equipe
menos amarrada à ampliação de
alianças partidárias e mais afeita
ao perfil administrativo de múltipla representação social, como
deseja, em vez de política.
Enfrentar José Serra (PSDB) no
segundo turno seria a comprovação da avaliação, feita em documento interno no 12º Encontro
Nacional do PT, em dezembro do
ano passado, de que Lula iria disputar a Presidência contra um situacionista, mas poderá provocar
arrefecimento na militância, novo
distanciamento de ao menos parte do empresariado e pressões
fortes dos mercados financeiros.
Seria o paradoxo de ter acertado
na previsão, mas errado na evolução recente do quadro eleitoral.
Ao menos dois diretores de institutos de pesquisa afirmaram ao
PT na semana passada que a vitória no primeiro turno parecia bastante próxima. A sua não-realização é potencialmente ruim até para o humor do candidato.
Já enfrentar Anthony Garotinho (PSB) no segundo turno seria
um exemplo de total falha estratégica -a hipótese nunca chegou a
ser levada a sério-, mas seria
uma disputa mais tranquila, na
visão do comando de campanha.
A agregação de apoios políticos
e empresariais é vista como fácil,
em razão do discurso tido como
franco-atirador do ex-governador do Rio, que repete não aceitar
dinheiro de banqueiros nem ter
participado de reuniões na federação dos bancos -restrições
existentes no passado, mas caídas
em desuso nas hostes petistas.
Seja qual for o adversário, uma
vitória na segunda etapa obrigaria
Lula a "ceder anéis", na forma de
mais ministérios para partidos
que o apoiassem. Seria o ministério possível, não o desejado.
Agora ou nunca
A quarta campanha de Lula teve
a égide do "agora ou nunca", na
definição de um petista. Nunca o
PT desenhou com tamanho detalhamento um projeto e nunca foi
tão longe para concretizá-lo.
"Estamos esticando a corda ao
máximo. Vamos ver até onde dá",
admitiu um petista no início de
setembro, dias após o aperto de
mãos trocado entre Luiz Inácio
Lula da Silva e José Sarney.
Algo constrangida, a frase resume a aposta de risco que o PT fez
quando começou a pensar a quarta candidatura, no início de 2001.
Em nome do projeto de finalmente eleger Lula, o delicado
equilíbrio interno de forças foi jogado de lado, para que o candidato pudesse ostentar um vice empresário e de partido de direita,
José Alencar, um publicitário que
já trabalhou com Paulo Maluf
(Duda Mendonça) e alianças entre as mais heterodoxas das últimas décadas. A relação do PT
com movimentos sociais e a Igreja foi colocada em terreno incerto.
Se funcionar, a estratégia dá cacife a Lula para iniciar um governo apresentando-se como um reformista moderado. Fracassando,
será inevitável a volta de um pesadelo que parecia enterrado, na
forma de discussões internas sobre a identidade petista.
Lula cacifou pessoalmente o
projeto. Já em junho do ano passado, deu a senha para o movimento que estava em curso: "Todo mundo que sai candidato pela
primeira vez pode perder. Eu não
posso perder a quarta", disse.
Em fevereiro último, em meio à
turbulência interna vivida pela
negociação com o PL, Lula jogou
duro: "Se for para marcar posição, que escolham outro companheiro para ser candidato".
Coesa, a direção moderada entregou a Lula um partido unificado, por vezes a fórceps, em que a
minoria radical foi abafada.
Na esteira da contratação de
Duda, uma estrutura altamente
profissional foi montada, reduzindo o espaço para o voluntarismo de antes. Jornalistas vieram a
peso de ouro. Foram montados
núcleo de apoio aos Estados,
equipe de mobilização e até grupo
especializado em debelar crises.
Em 28 de junho, veio a cartada
final. Ignorando racha no diretório nacional, Dirceu sacramentou
a união com o PL. Foi a última vez
que o projeto foi contestado.
"O partido ter se unificado foi
uma das chaves para Lula concorrer de novo. Nas campanhas passadas, havia muita perda de energia com disputas internas. Era tiro
no pé o tempo todo", diz Gilberto
Carvalho, assessor de Lula.
O PL foi apenas o primeiro passo. Logo vieram apoios que obrigaram Lula a formular, sem maiores constrangimentos, uma versão petista do "esqueçam o que
escrevi" que assombrou FHC.
O sindicalista Luiz Antônio de
Medeiros, que na acusação mais
leve era "pelego", foi peça-chave
na união com o PL; Orestes Quércia, "ex-ladrão de pipoca", virou
"companheiro"; José Sarney, anteriormente um "grileiro" e "administrador medíocre", tornou-se avalista da candidatura. Pazes
foram feitas com a Igreja Universal, para quem Lula já foi o Diabo.
Em busca do mercado
Neutralizar ao menos em parte
o receio dos agentes financeiros e
empresariais foi outro pilar do
projeto, desde cedo. Principal assessor econômico do petista, Guido Mantega recebeu carta-branca
para passar a banqueiros e empresários a mensagem de que Lula mudara e não ia cometer loucuras no comando da economia.
Tinha também uma missão:
prospectar a razão do temor dos
empresários com Lula.
A resposta veio rápido. O que os
empresários mais temiam, apesar
de todo o esforço de mudança
empreendido pelo PT nos anos
anteriores, eram fantasmas que o
partido imaginava enterrados,
como calote da dívida externa e
confisco de poupança.
"Surpreendeu-me o tamanho
da desinformação. Quando eu
conseguia explicar que não estava
em nossa política calote, era meio
caminho andado", diz Mantega.
Mais sinais eram necessários,
mais rápido. O partido, contudo,
ainda titubeava eventualmente,
indecisão que esteve na raiz do
que o PT considera ter sido o momento de maior tensão em uma
campanha relativamente sem crises, em março deste ano.
Foi quando o governo adotou
uma estratégia para colar em Lula
o rótulo de candidato que levaria
o país a uma situação como a argentina. Questionou-se o compromisso do PT com a estabilidade, a responsabilidade fiscal e o
respeito a contratos. O dólar subiu, Lula caiu a menos de 30%.
Num erro de cálculo político, o
partido havia se posto numa situação vulnerável. O termo "ruptura", mencionado abundantemente em um texto interno, foi
explorado à exaustão, bem como
a promessa de "denunciar" o
acordo com o FMI.
Mais uma vez, a solução foi uma
guinada rápida. A "ruptura" desapareceu, e foi feita uma carta
prometendo respeito a contratos
e ao superávit acertado pelo atual
governo. Em 8 de agosto, um mal-humorado Lula leu pronunciamento em que o pacote do FMI
era descrito como "inevitável".
E se a metamorfose não for suficiente?, pergunta-se, discretamente, no comitê petista. Se prevalecer a hipótese -que ninguém
ousa mencionar abertamente-,
o PT deve retroceder um pouco
na trilha rumo ao centro, refazendo pontes com os movimentos
sociais. Mas é consenso no partido que a abertura veio para ficar.
Será difícil Dirceu permanecer à
frente do PT, caso falhe o projeto
que liderou. Novos nomes surgiriam, com Marta Suplicy despontando para 2006. Quanto a Lula,
provavelmente voltaria a seu Instituto Cidadania, para ser eterna
eminência parda. Um cenário do
qual o PT busca hoje distância.
1945
Luiz Inácio da Silva nasceu em
Garanhuns (PE) em 27 de outubro de 1945, mas foi registrado
com a data de 6 de outubro. Em
1952, sua família viaja para o Estado de São Paulo, fixando-se na
capital. Em 1960 é admitido numa fábrica. Faz o curso de torneiro mecânico no Senai e, em 1964,
começa a trabalhar na Metalúrgica Independência, onde perde o
dedo mínimo da mão esquerda.
1969
Eleito suplente da diretoria do
Sindicato dos Metalúrgicos de
São Bernardo. Casa-se com Maria
de Lourdes, que morre em 1970,
durante o parto. Em 1972 é eleito
primeiro secretário do sindicato.
Casa-se em 1974 com Maria Letícia e, em 1975, torna-se presidente da instituição. Em 1978 é reeleito presidente e organiza as primeiras greves do ABC. Volta a liderar paralisações em 1979.
1980
Funda o PT. Lidera nova greve. É
preso e processado. Candidata-se
a governador paulista em 1982,
incorporando o apelido "Lula" ao
nome. Fica em quarto lugar. Em
1984, participa das diretas-já.
1986
Candidata-se a deputado federal
e obtém a maior votação do país:
651.763. Na Constituinte, defende a ampliação dos direitos trabalhistas e vota contra os cinco
anos de mandato para Sarney.
1989
Lança sua candidatura à Presidência em janeiro. Fica em segundo lugar no primeiro turno.
Disputa o 2º turno contra Fernando Collor (PRN), que vence a eleição usando acusações pessoais.
1994
O PT apóia a campanha pelo impeachment de Collor em 1992,
mas se recusa a integrar o governo de Itamar Franco. Inicia as "caravanas da cidadania". Em 1994,
lidera as pesquisas à Presidência,
mas é superado por Fernando
Henrique Cardoso (PSDB), candidato de Itamar, após o lançamento do Real. FHC vence as eleições
no primeiro turno. Em 1998, volta
a ser derrotado por FHC.
2002
Vence o senador Eduardo Suplicy
(SP) na prévia do PT para indicar o
candidato do partido à Presidência. Apesar da verticalização das
coligações, consegue fechar uma
aliança com o PL e faz do empresário José Alencar (MG) seu vice.
Lidera as pesquisas em toda a
campanha. Recebe o apoio dos
ex-presidentes Itamar Franco e
José Sarney. Na reta final, as adesões à sua candidatura crescem.
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