São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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LULA

Partido profissionaliza a campanha, constrói pontes com ex-desafetos e promove guinadas em seu discurso para conquistar a Presidência

PT concede quase tudo para "última cartada" de seu líder

PLÍNIO FRAGA
FÁBIO ZANINI
DA REPORTAGEM LOCAL

O PT chega ao dia da eleição presidencial vivendo um paradoxo. Desde dezembro do ano passado, o partido traçou como estratégia o confronto com uma candidatura situacionista no segundo turno. Mas há 15 dias -quando Luiz Inácio Lula da Silva, 56, atingiu 48% dos votos válidos- surpreendeu-se com o crescimento expressivo das chances de uma vitória já no primeiro turno, hipótese impensável antes.
Se frustrada essa possibilidade, a realização do segundo turno pode causar danos ainda não mensuráveis à candidatura Lula, que vinha embalada por adesões políticas e empresariais não previstas em razão da possibilidade de vitória definitiva no pleito de hoje.
Oficialmente, o discurso do PT é de tentar obter o máximo de votos no primeiro turno, com militantes indo às ruas sem a preocupação de encerrar ou não agora.
Mas internamente o discurso de vitória no primeiro turno vaza até em comunicados oficiais, como em carta enviada aos filiados pelo presidente do PT, José Dirceu: "Devemos trabalhar com cenário de segundo turno, mesmo que a tendência seja Lula ganhar no primeiro turno. É importante ter em mente que muitas candidaturas do PT, por todo o Brasil, são "de chegada", ou seja, estão crescendo agora na reta final e cabe a nós, cabe à militância, levá-los ao segundo turno ou à vitória", escreveu Dirceu, na semana passada.
Vencer no primeiro turno significaria poder montar uma equipe menos amarrada à ampliação de alianças partidárias e mais afeita ao perfil administrativo de múltipla representação social, como deseja, em vez de política.
Enfrentar José Serra (PSDB) no segundo turno seria a comprovação da avaliação, feita em documento interno no 12º Encontro Nacional do PT, em dezembro do ano passado, de que Lula iria disputar a Presidência contra um situacionista, mas poderá provocar arrefecimento na militância, novo distanciamento de ao menos parte do empresariado e pressões fortes dos mercados financeiros.
Seria o paradoxo de ter acertado na previsão, mas errado na evolução recente do quadro eleitoral.
Ao menos dois diretores de institutos de pesquisa afirmaram ao PT na semana passada que a vitória no primeiro turno parecia bastante próxima. A sua não-realização é potencialmente ruim até para o humor do candidato.
Já enfrentar Anthony Garotinho (PSB) no segundo turno seria um exemplo de total falha estratégica -a hipótese nunca chegou a ser levada a sério-, mas seria uma disputa mais tranquila, na visão do comando de campanha.
A agregação de apoios políticos e empresariais é vista como fácil, em razão do discurso tido como franco-atirador do ex-governador do Rio, que repete não aceitar dinheiro de banqueiros nem ter participado de reuniões na federação dos bancos -restrições existentes no passado, mas caídas em desuso nas hostes petistas.
Seja qual for o adversário, uma vitória na segunda etapa obrigaria Lula a "ceder anéis", na forma de mais ministérios para partidos que o apoiassem. Seria o ministério possível, não o desejado.

Agora ou nunca
A quarta campanha de Lula teve a égide do "agora ou nunca", na definição de um petista. Nunca o PT desenhou com tamanho detalhamento um projeto e nunca foi tão longe para concretizá-lo.
"Estamos esticando a corda ao máximo. Vamos ver até onde dá", admitiu um petista no início de setembro, dias após o aperto de mãos trocado entre Luiz Inácio Lula da Silva e José Sarney.
Algo constrangida, a frase resume a aposta de risco que o PT fez quando começou a pensar a quarta candidatura, no início de 2001.
Em nome do projeto de finalmente eleger Lula, o delicado equilíbrio interno de forças foi jogado de lado, para que o candidato pudesse ostentar um vice empresário e de partido de direita, José Alencar, um publicitário que já trabalhou com Paulo Maluf (Duda Mendonça) e alianças entre as mais heterodoxas das últimas décadas. A relação do PT com movimentos sociais e a Igreja foi colocada em terreno incerto.
Se funcionar, a estratégia dá cacife a Lula para iniciar um governo apresentando-se como um reformista moderado. Fracassando, será inevitável a volta de um pesadelo que parecia enterrado, na forma de discussões internas sobre a identidade petista.
Lula cacifou pessoalmente o projeto. Já em junho do ano passado, deu a senha para o movimento que estava em curso: "Todo mundo que sai candidato pela primeira vez pode perder. Eu não posso perder a quarta", disse.
Em fevereiro último, em meio à turbulência interna vivida pela negociação com o PL, Lula jogou duro: "Se for para marcar posição, que escolham outro companheiro para ser candidato".
Coesa, a direção moderada entregou a Lula um partido unificado, por vezes a fórceps, em que a minoria radical foi abafada.
Na esteira da contratação de Duda, uma estrutura altamente profissional foi montada, reduzindo o espaço para o voluntarismo de antes. Jornalistas vieram a peso de ouro. Foram montados núcleo de apoio aos Estados, equipe de mobilização e até grupo especializado em debelar crises.
Em 28 de junho, veio a cartada final. Ignorando racha no diretório nacional, Dirceu sacramentou a união com o PL. Foi a última vez que o projeto foi contestado.
"O partido ter se unificado foi uma das chaves para Lula concorrer de novo. Nas campanhas passadas, havia muita perda de energia com disputas internas. Era tiro no pé o tempo todo", diz Gilberto Carvalho, assessor de Lula.
O PL foi apenas o primeiro passo. Logo vieram apoios que obrigaram Lula a formular, sem maiores constrangimentos, uma versão petista do "esqueçam o que escrevi" que assombrou FHC.
O sindicalista Luiz Antônio de Medeiros, que na acusação mais leve era "pelego", foi peça-chave na união com o PL; Orestes Quércia, "ex-ladrão de pipoca", virou "companheiro"; José Sarney, anteriormente um "grileiro" e "administrador medíocre", tornou-se avalista da candidatura. Pazes foram feitas com a Igreja Universal, para quem Lula já foi o Diabo.

Em busca do mercado
Neutralizar ao menos em parte o receio dos agentes financeiros e empresariais foi outro pilar do projeto, desde cedo. Principal assessor econômico do petista, Guido Mantega recebeu carta-branca para passar a banqueiros e empresários a mensagem de que Lula mudara e não ia cometer loucuras no comando da economia.
Tinha também uma missão: prospectar a razão do temor dos empresários com Lula.
A resposta veio rápido. O que os empresários mais temiam, apesar de todo o esforço de mudança empreendido pelo PT nos anos anteriores, eram fantasmas que o partido imaginava enterrados, como calote da dívida externa e confisco de poupança.
"Surpreendeu-me o tamanho da desinformação. Quando eu conseguia explicar que não estava em nossa política calote, era meio caminho andado", diz Mantega.
Mais sinais eram necessários, mais rápido. O partido, contudo, ainda titubeava eventualmente, indecisão que esteve na raiz do que o PT considera ter sido o momento de maior tensão em uma campanha relativamente sem crises, em março deste ano.
Foi quando o governo adotou uma estratégia para colar em Lula o rótulo de candidato que levaria o país a uma situação como a argentina. Questionou-se o compromisso do PT com a estabilidade, a responsabilidade fiscal e o respeito a contratos. O dólar subiu, Lula caiu a menos de 30%.
Num erro de cálculo político, o partido havia se posto numa situação vulnerável. O termo "ruptura", mencionado abundantemente em um texto interno, foi explorado à exaustão, bem como a promessa de "denunciar" o acordo com o FMI.
Mais uma vez, a solução foi uma guinada rápida. A "ruptura" desapareceu, e foi feita uma carta prometendo respeito a contratos e ao superávit acertado pelo atual governo. Em 8 de agosto, um mal-humorado Lula leu pronunciamento em que o pacote do FMI era descrito como "inevitável".
E se a metamorfose não for suficiente?, pergunta-se, discretamente, no comitê petista. Se prevalecer a hipótese -que ninguém ousa mencionar abertamente-, o PT deve retroceder um pouco na trilha rumo ao centro, refazendo pontes com os movimentos sociais. Mas é consenso no partido que a abertura veio para ficar.
Será difícil Dirceu permanecer à frente do PT, caso falhe o projeto que liderou. Novos nomes surgiriam, com Marta Suplicy despontando para 2006. Quanto a Lula, provavelmente voltaria a seu Instituto Cidadania, para ser eterna eminência parda. Um cenário do qual o PT busca hoje distância.

1945

Luiz Inácio da Silva nasceu em Garanhuns (PE) em 27 de outubro de 1945, mas foi registrado com a data de 6 de outubro. Em 1952, sua família viaja para o Estado de São Paulo, fixando-se na capital. Em 1960 é admitido numa fábrica. Faz o curso de torneiro mecânico no Senai e, em 1964, começa a trabalhar na Metalúrgica Independência, onde perde o dedo mínimo da mão esquerda.

1969

Eleito suplente da diretoria do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Casa-se com Maria de Lourdes, que morre em 1970, durante o parto. Em 1972 é eleito primeiro secretário do sindicato. Casa-se em 1974 com Maria Letícia e, em 1975, torna-se presidente da instituição. Em 1978 é reeleito presidente e organiza as primeiras greves do ABC. Volta a liderar paralisações em 1979.

1980

Funda o PT. Lidera nova greve. É preso e processado. Candidata-se a governador paulista em 1982, incorporando o apelido "Lula" ao nome. Fica em quarto lugar. Em 1984, participa das diretas-já.

1986

Candidata-se a deputado federal e obtém a maior votação do país: 651.763. Na Constituinte, defende a ampliação dos direitos trabalhistas e vota contra os cinco anos de mandato para Sarney.

1989

Lança sua candidatura à Presidência em janeiro. Fica em segundo lugar no primeiro turno. Disputa o 2º turno contra Fernando Collor (PRN), que vence a eleição usando acusações pessoais.

1994

O PT apóia a campanha pelo impeachment de Collor em 1992, mas se recusa a integrar o governo de Itamar Franco. Inicia as "caravanas da cidadania". Em 1994, lidera as pesquisas à Presidência, mas é superado por Fernando Henrique Cardoso (PSDB), candidato de Itamar, após o lançamento do Real. FHC vence as eleições no primeiro turno. Em 1998, volta a ser derrotado por FHC.

2002

Vence o senador Eduardo Suplicy (SP) na prévia do PT para indicar o candidato do partido à Presidência. Apesar da verticalização das coligações, consegue fechar uma aliança com o PL e faz do empresário José Alencar (MG) seu vice. Lidera as pesquisas em toda a campanha. Recebe o apoio dos ex-presidentes Itamar Franco e José Sarney. Na reta final, as adesões à sua candidatura crescem.


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