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GAROTINHO
Desacreditado durante boa parte da campanha, Garotinho surpreende com discurso agressivo de oposição, ancorado na base social evangélica
Azarão, ex-governador sai vitorioso até com derrota
MURILO FIUZA DE MELO
DA SUCURSAL DO RIO
LIEGE ALBUQUERQUE
DA REPORTAGEM LOCAL
Seja qual for o resultado das urnas hoje, o candidato do PSB à
Presidência, Anthony Garotinho,
42, sairá como um dos grandes vitoriosos desta eleição. De uma popularidade política restrita ao Rio
e ao meio evangélico, Garotinho
conseguiu, contrariando as previsões, se projetar nacionalmente e
desde já se qualifica para se tornar
nos próximos quatro anos um
dos principais nomes para a disputa presidencial de 2006.
"Mesmo sem recursos, o apoio
da mídia e dos grandes partidos,
chegamos às vésperas da eleição
empatados tecnicamente [nas
pesquisas] com o candidato do
governo [José Serra, do PSDB]",
diz o o vice-presidente nacional
do PSB, Roberto Amaral.
Na hipótese de vitória de Lula
no primeiro turno ou de uma disputa contra José Serra (PSDB)
num eventual segundo turno, o
PSB irá declarar apoio ao petista.
Esta decisão já foi tornada pública
em nota assinada pelo presidente
do PSB, Miguel Arraes, em 25 de
julho deste ano.
Garotinho, que preferia a neutralidade, seguirá a decisão do
partido. Na terça-feira, em Recife,
o ex-governador se reuniu com
Arraes e Amaral e se comprometeu a respeitar a posição partidária. O PSB, porém, abre uma possibilidade de seguir para a oposição, caso Lula não corresponda
aos anseios políticos defendidos
pelos socialistas, o que é um cenário tido como provável.
"Está muito claro para nós que
teremos uma responsabilidade
com a governabilidade. Não vamos direto para o oposição, embora possamos seguir [este caminho" mais tarde, caso o PT não
cumpra com os ideais de um governo de esquerda", diz Amaral.
Discurso de oposição
Se for para o segundo turno
contra Luiz Inácio Lula da Silva
(PT), como apostam os assessores, Garotinho pretende radicalizar o discurso de oposição. A idéia
é continuar mostrando que Lula
se rendeu ao centro, se aliou a políticos conservadores e que o candidato do PSB é o único realmente
comprometido com bandeiras de
esquerda e de oposição.
"A questão fundamental será
política. Vamos mostrar que estamos à esquerda do Lula", afirma
Amaral.
Para o coordenador-geral da
campanha, Márcio França, num
virtual segundo turno contra Lula, a expectativa é atrair os votos
dos antipetistas, de Ciro Gomes
(PPS) e até mesmo do candidato
José Maria (PSTU).
"Não vejo coerência em quem
se diz de oposição apoiar Lula,
que tem ao lado o PL e o [José]
Sarney", diz França.
Os socialistas se dividem quanto à estratégia para novas alianças
políticas. Alguns, como Amaral,
defendem que, para manter a coerência com o discurso ideológico,
o leque de novos aliados deve ser
muito restrito -a lista, neste caso, inclui Ciro e o presidente nacional do PDT, Leonel Brizola, adversário de Garotinho.
Outras lideranças do PSB, porém, acham que a composição
com candidatos a governador que
disputarem o segundo turno contra o PT nos Estados será fundamental para levar Garotinho à vitória. Um dos exemplos é São
Paulo. Se no Estado houver um
segundo turno entre Geraldo
Alckmin (PSDB) e José Genoino
(PT), eles defendem um acordo
com o tucano.
Os dois grupos não aceitam o
apoio de lideranças conservadoras, principalmente pefelistas, como o ex-senador baiano Antônio
Carlos Magalhães.
Partido vitorioso
Assim como Garotinho, o PSB
sai vitorioso desta campanha. O
partido, que em 1998 teve apenas
4,7% dos votos nacionais, pode
chegar a 16%, segundo avaliação
dos socialistas, tornando-se um
dos principais partidos do país. A
estimativa é de eleger pelo menos
cinco governadores (Pará, Rio
Grande do Norte, Alagoas, Espírito Santo e Rio de Janeiro) e quase
duplicar a bancada de deputados
- passando dos 17, eleitos em
1998, para 32. No Senado, o partido avalia que obterá mais uma cadeira, passando de três para quatro senadores.
Qualquer que seja o quadro eleitoral, porém, o PSB pretende ampliar suas estruturas partidárias
no país nos próximos anos e, para
isso, contará muito com o empenho político de Garotinho. "Ele
será fundamental para atrair novos deputados, prefeitos e senadores para o partido", afirma
França.
Garotinho, na avaliação dos líderes do PSB, se tornaria um "observador" do governo Lula, tornando-se "a palavra autorizada"
do partido para questionar medidas tomadas pelo petista.
A idéia do PSB é de que, assim
como Lula, Garotinho percorra o
Brasil nos próximos quatro anos,
ajudando a consolidar a máquina
partidária. A força eleitoral do ex-governador em 2006, porém, dependerá muito da boa performance da mulher, Rosinha Garotinho, no governo do Rio -cuja
vitória é dada como certa pelos
socialistas.
"Boicote"
Roberto Amaral diz acreditar
que os principais entraves para o
crescimento de Garotinho na preferência do eleitorado foram a falta de recursos e o que chama de
"boicote" da grande mídia.
"Sofremos um verdadeiro massacre da mídia impressa. Um
exemplo foi o caso da renúncia. A
mídia não perguntava se nosso
candidato iria renunciar, mas
anunciava que ele iria renunciar.
Garotinho não teve um colunista
simpático a ele. Todos bateram de
forma impiedosa, críticas até de
ordem pessoal", reclama.
Segundo Amaral, as especulações sobre a possível desistência
de Garotinho acabou afetando
seu desempenho nas pesquisas
eleitorais e espantou contribuintes, a ponto de o ex-governador
ter que recorrer à ajuda financeira
da campanha da mulher.
"Imagina se um potencial doador é procurado por um assessor
de um candidato que, a todo o
tempo, é anunciado pela mídia
como quem irá renunciar. Ora,
ele não vai contribuir. A militância, os candidatos, todos vão desistir de acompanhá-lo. Foi isso
que aconteceu conosco."
Para o vice-presidente nacional
do PSB, outro fator que atrapalhou o desempenho de Garotinho
foi o desencontro entre o discurso
do partido e o do ex-governador.
A afinação só ocorreu, segundo
Amaral, no final de julho, no auge
dos boatos de que Garotinho desistiria da disputa.
Naquela ocasião, toda a executiva do partido se reuniu em Brasília, incluindo Arraes e o ex-governador. Ficou acertado, então, que
o candidato adotaria um discurso
radical de oposição ao governo e
às alianças feitas por Lula.
"A ilusão de uma momentânea
expectativa de vitória eleitoral
não deve comprometer nosso
programa, nossa história. Podendo ganhar eleitoralmente, as esquerdas que assim procederem
certamente perderão politicamente e, acaso no governo, frustrarão nosso povo (...)", afirmou
Arraes, em nota, na ocasião.
Daquele momento em diante,
Garotinho passou a usar o discurso anti-Lula e de crítica radical aos
banqueiros, que seria uma das
marca de sua campanha.
Erros de imagem
A corrida eleitoral também expôs duas "falhas na imagem" de
Garotinho, que, segundo os socialistas, devem ser trabalhadas até a
próxima eleição presidencial. Segundo eles, o estilo "brincalhão"
do governador e o uso da religião
como apoio político criaram preconceitos quase intransponíveis
no eleitorado de maior renda e escolaridade.
Para esses assessores, o poder
de comunicação e a simpatia de
Garotinho transmitida ao eleitorado, considerados inegáveis pelos socialistas, ficaram "ofuscados" às vezes pela "mania de tergiversar com piadas" do ex-governador, o que teria transmitido
despreparo em vez de humor.
A questão da religião, para setores do PSB, tem de ser não totalmente apagada, mas melhor dosada - já que os socialistas não
negam que, sem o apoio financeiro e a base social dos evangélicos,
Garotinho não teria chegado até o
final da campanha.
Mesmo com os defeitos apontados, os correligionários não duvidam ser Garotinho o melhor quadro do partido para concorrer à
Presidência em 2006: só que
acham que o candidato deveria
"ceder" a um bom trabalho de
marketing pessoal para as correções de imagem.
Para os socialistas, por conta da
experiência administrativa do
candidato, trabalhar a imagem de
Garotinho será bem mais fácil e
barato do que o trabalho na "radical mudança" de Lula para a campanha de 2002. Para eles, a mudança do petista foi a grande razão da posição linearmente privilegiada nas pesquisas de opinião e
da chegada na reta final com
chances de vitória hoje, já no primeiro turno.
1960
Em 18 de abril, nasce em Campos,
no Norte Fluminense, Anthony
William Matheus de Oliveira, filho
do advogado Hélio Montezano
de Oliveira e da dona de casa Samira Matheus. Chamado de Bolinha na infância e na adolescência, por ter nascido com 5,5 kg,
passou pelo teatro amador antes
de ser convidado a trabalhar no
rádio como narrador de jogos de
futebol e corridas de cavalo
1982
Militante do PCB durante a juventude, ajuda a fundar o PT em
Campos. Pelo Partido dos Trabalhadores, inicia sua carreira política concorrendo ao cargo de vereador em sua cidade natal. Conhecido por seus programas de
rádio, obtém votação expressiva,
mas não consegue a eleição porque seu partido não atinge o coeficiente eleitoral. No ano seguinte, transfere-se para o PDT
1988
Dois anos depois de eleger-se deputado estadual pelo PDT, vence
as eleições municipais e assume
pela primeira vez a Prefeitura de
Campos. Dizia enfrentar a oligarquia usineira local
1994
Com o apoio de Brizola, lança-se
candidato ao governo do Rio,
mas é derrotado. Durante a campanha, sofre um acidente de carro e, no ano seguinte, converte-se ao protestantismo
1996
Derrotado nas eleições estaduais,
é eleito pela segunda vez prefeito
de Campos, no primeiro turno.
Interrompe o mandato na prefeitura da cidade para tentar mais
uma vez o governo do Estado
1998
Em aliança com PT, PSB, PCB e PC
do B, volta a ser candidato ao governo do Estado do Rio pelo PDT,
tendo como vice a senadora petista Benedita da Silva. No 2º turno, vence Cesar Maia com 58%
dos votos válidos. Durante três
anos de governo, aproxima-se do
movimento evangélico, com programas diários de rádio, e constrói sua candidatura à Presidência da República
2000
Após seguidos desentendimentos com Leonel Brizola, em virtude de sua crescente independência em relação ao PDT, deixa o
partido em novembro para, no
ano seguinte, ingressar no PSB. Já
havia construído uma consistente base política no interior do Estado. Em abril de 2002, deixa o
governo do Rio para sua vice Benedita da Silva a fim de concorrer
às eleições presidenciais
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