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NO PLANALTO
O escândalo e a mão de Armínio
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
É homem de sorte o doutor
Armínio Fraga. Enquanto
Gustavo Franco patrocinava a
farra do câmbio, ele fazia fortuna na Casa de Soros. Amealhava,
por baixo, algo como US$ 700 mil
anuais, estima-se no mercado.
Ano passado, dizendo-se "idealista" e disposto a "servir à pátria", pôde se dar ao luxo de trocar Nova York e a banca internacional por um contracheque de
servidor público: R$ 8.000 mensais, ou R$ 96 mil por ano.
Teve a ventura de não tomar
parte da operação urdida por
Chico Lopes para salvar o patrimônio de dois banqueiros quebrados. Sentou-se na cadeira de
presidente do Banco Central depois de consumada a lambança
do colapso do real, que sorveu R$
1,574 bilhão da bolsa da Viúva.
Súbito, porém, Armínio deu
para flertar com o azar. Há dois
meses, alçou à condição de diretora de Fiscalização do BC Tereza Grossi Togni, personagem
central do escândalo Marka/
FonteCindam. Quinta-feira, Tereza Grossi foi denunciada pelo
Ministério Público, junto com
Alexandre Pundek, outro funcionário do BC. Armínio apressou-se em pôr a mão no fogo por ambos. Disse que mantém a confiança nos auxiliares.
É possível que Armínio tenha
pouco apreço pela própria mão.
Mas o mais provável é que lhe
falte conhecimento sobre os
meandros do inquérito que acaba de ser concluído pela Polícia
Federal (cerca de 10 mil páginas,
noves fora anexos e apensos).
Farsa desmontada
O inquérito adiciona detalhes a
um enredo conhecido. E destrói a
versão oficial montada pelo BC,
com a ajuda diligente de Tereza
Grossi e de Alexandre Pundek.
Não ficou uma frase, uma palavra, uma mísera letra de pé.
Ouvido pela polícia, Chico Lopes disse que socorreu o Marka e
o FonteCindam porque: 1) a
BM&F enviou carta ao BC. No
documento, pedia ajuda e alertava para o risco de "crise sistêmica"; 2) consultada, a assessoria
jurídica do BC disse que a operação tinha amparo legal. Pura
empulhação.
Interrogado, Edemir Pinto, superintendente-geral da BM&F,
retificou: 1) a carta foi pedida pelo BC. Mais precisamente
-atenção, doutor Armínio-
por Tereza Grossi. O envio do documento não precedeu o socorro
criminoso, como alega Lopes. A
carta só chegou ao BC no dia seguinte; 2) a menção à possibilidade de contágio do sistema financeiro ("risco sistêmico"), inserida na carta, era falsa. A
BM&F estava preparada para
suportar os prejuízos, liquidando
os contratos do Marka e do FonteCindam.
Edemir Pinto disse à polícia
que o BC estava fartamente informado sobre a capacidade da
BM&F de bancar, com seu sistema de garantias, o prejuízo decorrente da não-liquidação dos
contratos dos dois bancos. A informação foi repassada, segundo
disse, a Francisco Lopes, aos então diretores Cláudio Mauch
(Fiscalização) e Demósthenes
Madureira Pinho (Assuntos Internacionais) e aos funcionários
-atenção, doutor Armínio-
Tereza Grossi e Alexandre Pundek. A polícia ouviu também os
advogados do BC, aqueles que teriam avalizado os aspectos legais
da operação. Seus nomes: Francisco José de Siqueira e Manoel
Lucívio de Loiola. Seus depoimentos são reveladores.
Disseram ter sido convocados
no meio da noite, por volta de
21h, no fatídico 14 de janeiro de
99 em que o BC decidiu socorrer
o Marka e o FonteCindam.
Fato consumado
Quando chegaram ao prédio do
BC, encontraram o bonde andando. Em alta velocidade. Pegaram carona em reunião que
começara pouco depois das 18h.
Estavam na sala, entre outros,
Salvatore Cacciola e -atenção,
doutor Armínio- Tereza Grossi
e Alexandre Pundek.
Apresentados à situação, os
dois advogados não hesitaram
em recomendar a liquidação extrajudicial do Marka, com o consequente bloqueio dos bens dos
controladores do banco.
Só então perceberam que suas
opiniões valiam menos do que
um contrato do Marka no mercado futuro. Àquela altura, agindo a pedido do BC, o Banco do
Brasil já providenciava a liquidação na BM&F dos compromissos do Marka.
A polícia apurou junto ao próprio Banco do Brasil que a ordem
do BC para que o socorro fosse
providenciado chegou às 20h50
do mesmo dia 14 de janeiro. Antes, portanto, do telefonema aos
advogados, chamados, afinal,
apenas para dar aparência legal
a uma farsa.
Um dos advogados, Francisco
José, frisou à polícia: em nenhum
momento emitiu qualquer parecer jurídico escrito sobre o socorro aos bancos.
O inquérito policial anota
-atenção, doutor Armínio-
declaração curiosa de Alexandre
Pundek. Em depoimento à CPI
dos Bancos, o funcionário do BC
dissera que os advogados haviam
participado "ativamente" de toda a operação.
Pundek dissera também aos senadores que havia visto, no dia
14 de janeiro, a carta que a
BM&F só redigiu no dia 15 de janeiro. Como não consta que Pundek possua poderes mediúnicos,
restou a sensação de que mentiu.
Desbragadamente.
Discurso unificado
Sob o número 9900924463 e
com o pomposo título de "Regularização Cambial Relativa à
Operação Financeira", o processo do BC que trata do socorro ao
Marka e ao FonteCindam foi
preparado em 15 de janeiro de
99. Mas a data que consta do papelório é, de novo, 14 de janeiro.
Anexou-se ainda ao processo
do BC um documento temporão.
Trata-se de ofício do FonteCindam, oficializando, com quase
um mês de atraso (12 de fevereiro
de 1999), o pedido de socorro financeiro. Um socorro que o banco conseguira arrancar de Chico
Lopes com um simples telefonema de Luiz Antônio Gonçalves,
seu principal executivo.
O inquérito policial faz menção
a uma reunião realizada em 12
de abril de 1999, no prédio do BC,
em São Paulo. O escândalo já ganhara as páginas dos jornais, e
Armínio já chefiava o BC.
Sob o comando de Chico Lopes,
os envolvidos na farsa, incluindo
Tereza Grossi e Alexandre Pundek, combinaram o que diriam
em público doravante.
Como resultado do encontro,
produziu-se uma "memória", cujo rascunho foi apreendido pela
polícia no apartamento de Chico
Lopes. É justamente essa (falsa)
"memória", desde sempre cambaleante, que agora vai definitivamente ao chão.
Os funcionários defendidos por
Armínio aparecem à farta no inquérito. Têm muito o que explicar. Assim, talvez conviesse ao
presidente do BC não abusar da
sorte. Melhor conservar as mãos
longe do fogo. Ao menos até o final do processo. Sob pena de vê-las chamuscadas. Quem sabe o
doutor Armínio se aconselha
com seu chefe, Pedro Malan.
O ministro, mais prudente, lavou as mãos. Ainda hoje sustenta
que não recebeu comunicação
prévia acerca do socorro ao Marka e ao FonteCindam. A polícia
confirmou que Malan esteve na
sala do BC em que o socorro aos
bancos foi debatido. Confirmou
também que o ministro se encontrou com Chico Lopes, por duas
vezes, no dia em que a operação
foi sacramentada. Mas, como já
se disse e publicou à farta, nada
viu nem ouviu.
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