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TRANSIÇÃO
Futuro ministro defende Lei da Mordaça e descriminalização do uso de drogas
Bastos quer recomeçar do zero reforma do Judiciário
MÔNICA BERGAMO
COLUNISTA DA FOLHA
SILVANA DE FREITAS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
O futuro ministro da Justiça,
Márcio Thomaz Bastos, 67, elegeu
duas prioridades na condução da
pasta: a reforma do Poder Judiciário e o combate ao crime organizado. "Se precisar a força, vou
usar", diz ele, anunciando a criação de uma diretoria exclusiva para tratar do tema.
O futuro ministro não esconde a
sua simpatia por propostas que o
próprio PT combate, como por
exemplo a chamada "Lei da Mordaça", que impede que autoridades como juízes e procuradores
divulguem informações sobre investigações em andamento.
O futuro ministro defende também a descriminalização total do
uso da maconha e a modificação
da lei dos crimes hediondos.
Quanto à reforma do Judiciário,
Ele descarta as propostas que estão no Senado e diz que a discussão terá de recomeçar "do zero".
Bastos diz que está "totalmente
deslumbrado" com os desafios
que tem pela frente no ministério.
A ponto de largar, segundo ele definitivamente, 45 anos de advocacia, que lhe proporcionaram um
patrimônio estimado em R$ 50
milhões. O novo ministro da Justiça contratou o Unibanco para
administrar seus bens.
A instituição administrará o patrimônio sem a interferência do
ministro, que receberá uma "mesada" correspondente a parte dos
rendimentos de seu patrimônio.
Folha - O presidente eleito declarou que a situação herdada do governo FHC deixa muito a desejar,
em quase todas as áreas. Como está a situação da Justiça?
Márcio Thomaz Bastos -Há muitos organismos descoordenados,
muita superposição. A Secretaria
de Segurança Pública não se comunica com a Polícia Federal, que
não interage com a Polícia Rodoviária Federal. Não há planejamento estratégico. A PF precisa
receber mais investimento. Queremos tornar a PF um FBI.
Folha - A PF tem a tradição de
práticas ilegais de apuração, como
"grampo" telefônico.
BastosNão admitiremos duas
coisas: corrupção e uso da PF pelo
governo para atingir objetivos políticos, como aconteceu no passado até recente. A PF é polícia de
Estado, não de governo.
Folha - Será criado o Sistema Único de Segurança, unificando as polícias Civil e Militar?
Bastos - Isso não pode ser feito a
fórceps. Inicialmente, pensamos
em unificar procedimentos, criar
comandos comuns para estreitar
parcerias, até se chegar, lá na frente, à unificação. A segurança é
uma tarefa estadual. O trabalho
da União será de coordenação,
ajudando com estudos e estatísticas. Um exemplo: há meios científicos de se saber a que horas alguns crimes são cometidos em alguns bairros nas cidades. Se a polícia chegar uma hora antes, é possível reduzir a violência.
Folha - E a questão das verbas?
Como será administrado o fundo
de segurança pública, de cerca de
R$ 3 bilhões?
Bastos-Hoje a verba do governo
federal é liberada e os Estados deixam de aplicar a sua parte. Pode
ser exigida uma contrapartida.
Folha - O fundo pode ser usado
para ajudar os Estados a melhorarem os salários dos policiais?
Bastos - A idéia é que o fundo
complemente salários. Pensamos
em um piso que garanta o mínimo de decência, algo em torno de
R$ 1.500.
Folha - Como o governo do PT
pretende realizar o combate ao crime organizado?
Bastos Quero criar uma diretoria de crime organizado, logo
abaixo do diretor da PF. Ela concentraria sistema de monitoramento telefônico, inteligência financeira, infiltração. Contra o crime organizado, temos que usar a
dureza, a inteligência e os serviços
de espionagem, todos os instrumentos que existem. Se precisar
usar a força, vou usar.
Folha - Qual é a sua posição sobre
comercialização de armas?
Bastos Tenho dúvidas. Acredito
que as armas entrem no Brasil por
contrabando, pelas fronteiras.
Proibir a venda de armas não
frearia esse fluxo.
Folha - Qual é a sua posição sobre
a "Lei da Mordaça" [que impede
juízes, policiais e membros do Ministério Público de tornarem públicas informações sobre investigações em andamento"?
Bastos -Isso está fora da agenda
do governo. Mas sou a favor. Ela
visa proteger a intimidade das
pessoas. E não é só a das pessoas
ricas, que têm condição de contratar advogado. Ao contrário: há
pessoas que têm o direito à imagem detratado diariamente, em
programas populares de televisão. É preciso estabelecer um confronto dialético entre, de um lado,
a liberdade de imprensa e, de outro, o direito à imagem, à privacidade, à presunção da inocência.
Folha - Outra lei muito polêmica
foi a que ampliou, desde a semana
passada, o foro privilegiado, prevendo que as autoridades, mesmo
depois de deixarem seus cargos,
sejam julgadas em cortes superiores. O que o senhor acha dela?
Bastos - É razoável que a pessoa
que exerceu um cargo mantenha
aquele foro, mesmo depois de ter
deixado a função. Até para evitar
que ela saia do poder e precise
correr pelo país para se defender.
Folha - O que o sr. acha da descriminalização do uso de drogas?
Bastos - Acho que é pacífico que
o uso deva ser descriminalizado.
Pela lei atual, o usuário está isento
de penas, mas sofre restrições sérias. Pretendo mexer isso. O fornecimento deve ser fortemente
criminalizado. O que resolve é
combater o atacado. O varejo só
serve para alimentar injustiças e
distorções.
Folha - O senhor pretende modificar leis como a que trata dos crimes
hediondos?
Bastos - Acho a definição [crime
hediondo] boba. O [ex-ministro
da Justiça" José Carlos Dias tem
um raciocínio perfeito quando
diz que não existem crimes adoráveis. A Lei de Crimes Hediondos desarmonizou o sistema. Pretendo mexer nisso, talvez para
rearmonizar o sistema penal brasileiro. Mas não num primeiro
momento. A minha prioridade é
começar a trabalhar um projeto
de reforma do Judiciário que promova uma mudança radical na
prestação jurisdicional.
Folha - A reforma pode aproveitar propostas que já estão em discussão no Senado?
Bastos - As propostas que existem são, na minha opinião, imprestáveis. O projeto inicial de reforma do Judiciário foi sendo modificado e a versão que acabou
chegando no Senado foi o resultado de lobbies e de pressões. Não é
factível, nem útil, nem razoável. A
idéia é recomeçar do zero.
Folha - Propondo novas leis?
Bastos Não acho que precisamos mudar a lei e sim as estruturas. É insuportável ter uma Justiça
tão demorada. É preciso aumentar o número de juízes, promover
a informatização para que os processos passem a ser eletrônicos,
sem o uso de papel, por exemplo.
Pretendemos promover uma
grande articulação, em que todos
cedam um pouco, para conciliar
interesses em torno de um projeto
comum. Por enquanto, não tenho
o projeto pronto. Mas é uma tarefa para dois mandatos (rindo).
Folha - O sr. é a favor do controle
externo do Judiciário?
Bastos - Sou. Sempre fui.
Folha - O novo governo indicará
três novos ministros do STF, entre
abril e maio, no lugar de três ministros, considerados conservadores,
que devem se aposentar. Qual será
o perfil dos indicados do PT?
Bastos -O que se quer é um Supremo progressista, em que os interesses difusos, das maiorias, sejam bastante contemplados. A
partir desse conceito, serão buscados os nomes.
Folha - Há nomes cotados, como
por exemplo Carmen Lucia, Eros
Grau, Cesar Peluzzo.
Bastos -Não há nenhuma fixação em nomes. Quem sabe nomeamos uma outra mulher? Ou
um negro?
Folha - O senhor acha que os critérios de indicação dos ministros
do Supremo Tribunal Federal, hoje
escolhidos exclusivamente pelo
Presidente da República, devem
ser modificados?
Bastos -Eu já pensei assim. Mas
mudei de idéia. No sistema republicano, o STF deve ser um tribunal político, além de uma corte jurídica. E as indicações devem ser
de livre escolha do presidente. O
que é preciso é que o escrutínio no
Senado não seja apenas simbólico, como é hoje, mas efetivo.
Folha - O que o senhor acha da
proposta de "quarentena", que impede que autoridades que ocupam
cargos públicos sejam indicadas
para o Supremo Tribunal, sem
qualquer intervalo de tempo entre
um cargo e outro?
Bastos -Acho que é possível estabelecer algumas restrições de
tempo razoáveis.
Folha - O ex-ministro da Justiça
José Carlos Dias, de biografia semelhante à do senhor, enfrentou
uma greve de caminhoneiros e
ameaçou usar o Exército para desobstruir estradas. O que o senhor
faria em uma situação delicada como essa? O senhor vai ser "duro"?
BastosA dureza faz parte do
exercício do cargo. Eu espero não
manchar a minha biografia. Mas,
se for preciso usar a força, é um
dever que eu assumo na hora em
que eu ocupar o Ministério da
Justiça.
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