São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

Só uma ilusão. Ou várias

O futuro ministro da Fazenda voltou. E pareceu recuperado. Ou nem parecia o mesmo Antonio Palocci que mandou, da sua viagem, mensagens de encantamento onírico com os (des)feitos de Pedro Malan e Armínio Fraga e com os (mal)feitos sociais do governo Fernando Henrique Cardoso. Seu relatório da transição não mais identifica como idiotas os 76 em cada 100 eleitores que já no 1º turno se declararam contra o governo e ansiosos por mudanças.
Disse Luiz Inácio Lula da Silva que o relatório poderia ser muito mais duro, mas a preferência foi evitar guerra de palavras. Vá lá. Mas o eleitorado não excluiu, muito ao contrário, o pedido de mudança no grau de sinceridade dos governantes (o que quer dizer também, cá entre nós, mudança no grau de seriedade do jornalismo). Apesar do método "paz e amor", cujo oposto, no caso, não é guerra e ódio, mas respeito aos cidadãos e à realidade, o relatório do renovado Palocci foi a grande número de pontos essenciais. A título de exemplo:
"Apenas 20% dos jovens de 15 a 17 anos estão no ensino médio e 8% dos jovens de 18 a 24 anos estão no ensino superior, um dos índices mais baixos da América Latina. Faz-se necessário aumentar o grau de escolaridade média da população, hoje na vergonhosa faixa de quatro anos". E o ensino é citado por Fernando Henrique como o maior êxito administrativo do seu governo.
Ainda: "Vai ficar nos anais da história econômica o dado inamomível de que a dívida interna saltou de 30% para 60% do PIB. A inflação medida pelo IGP-M saltou de 1,8% em 98 para 25,3% em 2002. A dívida mobiliária mais do que dobrou em quatro anos, de R$ 323,8 bilhões para R$ 663 bilhões".
Nas últimas semanas, Fernando Henrique tem procurado negar os resultados sociais desastrosos dos seus oito anos, os quais a imprensa passou a fazer referências frequentes, como se surgidos de um momento para outro. O relatório é suave nas palavras, mas claro no sentido: "A improvisação de uma série de programas sociais nos dois últimos anos", e vai por aí.
Em mais uma resposta, Fernando Henrique faria a entrega de dois índices internacionais, o PNUD e o IDH, que mostrariam melhorias em alguns aspectos sociais. Sobre esses índices e sobre as habituais respostas de Fernando Henrique, Pedro Malan e outros, aos levantamentos assustadores, cabem duas observações preliminares.
As maneiras de calcular índices sociais dependem dos critérios adotados. A inflação é um exemplo definitivo da força dos critérios na apresentação do índice. O IGP-M, que é um índice geral de preços, mostra que a inflação está em 24,3%, mas outros índices de preços não chegam nem à metade disso. Não foi à toa que o índice da Fipe, mesmo se referindo só a SP e com critérios de um otimismo invejável, tornou-se o mais destacado pela mídia no atual governo: o índice da Fipe está sempre lá embaixo, em comparação com os outros.
Além disso, as políticas administrativas perversas costumam ser como os corpos doentes; mesmo neles, é normal haver partes que até exibem desenvolvimentos saudáveis. Não é porque suas unhas cresçam, merecendo os melhores atestados da especialidade onicológica, que o paciente terminal estará melhorando. O recuperado Antonio Palocci e o irrecuperado Fernando Henrique fizeram, a propósito do relatório da transição, duas boas sínteses. O primeiro, sobre os oito anos de Fernando Henrique: "O governo difundiu só uma ilusão". O outro, ao falar, como se fosse de Lula, do modo como criou a ilusão: "com retórica de palanque". Nesta, faltou só pormenor: retórica de palanque aplicada aos salões.



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