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JANIO DE FREITAS
Só uma ilusão. Ou várias
O futuro ministro da Fazenda voltou. E pareceu recuperado. Ou nem parecia o mesmo
Antonio Palocci que mandou,
da sua viagem, mensagens de
encantamento onírico com os
(des)feitos de Pedro Malan e Armínio Fraga e com os (mal)feitos
sociais do governo Fernando
Henrique Cardoso. Seu relatório
da transição não mais identifica
como idiotas os 76 em cada 100
eleitores que já no 1º turno se declararam contra o governo e ansiosos por mudanças.
Disse Luiz Inácio Lula da Silva
que o relatório poderia ser muito
mais duro, mas a preferência foi
evitar guerra de palavras. Vá lá.
Mas o eleitorado não excluiu,
muito ao contrário, o pedido de
mudança no grau de sinceridade
dos governantes (o que quer dizer também, cá entre nós, mudança no grau de seriedade do
jornalismo). Apesar do método
"paz e amor", cujo oposto, no caso, não é guerra e ódio, mas respeito aos cidadãos e à realidade,
o relatório do renovado Palocci
foi a grande número de pontos
essenciais. A título de exemplo:
"Apenas 20% dos jovens de 15
a 17 anos estão no ensino médio
e 8% dos jovens de 18 a 24 anos
estão no ensino superior, um dos
índices mais baixos da América
Latina. Faz-se necessário aumentar o grau de escolaridade
média da população, hoje na
vergonhosa faixa de quatro
anos". E o ensino é citado por
Fernando Henrique como o
maior êxito administrativo do
seu governo.
Ainda: "Vai ficar nos anais da
história econômica o dado inamomível de que a dívida interna
saltou de 30% para 60% do PIB.
A inflação medida pelo IGP-M
saltou de 1,8% em 98 para 25,3%
em 2002. A dívida mobiliária
mais do que dobrou em quatro
anos, de R$ 323,8 bilhões para
R$ 663 bilhões".
Nas últimas semanas, Fernando Henrique tem procurado negar os resultados sociais desastrosos dos seus oito anos, os
quais a imprensa passou a fazer
referências frequentes, como se
surgidos de um momento para
outro. O relatório é suave nas
palavras, mas claro no sentido:
"A improvisação de uma série de
programas sociais nos dois últimos anos", e vai por aí.
Em mais uma resposta, Fernando Henrique faria a entrega
de dois índices internacionais, o
PNUD e o IDH, que mostrariam
melhorias em alguns aspectos
sociais. Sobre esses índices e sobre as habituais respostas de Fernando Henrique, Pedro Malan e
outros, aos levantamentos assustadores, cabem duas observações
preliminares.
As maneiras de calcular índices sociais dependem dos critérios adotados. A inflação é um
exemplo definitivo da força dos
critérios na apresentação do índice. O IGP-M, que é um índice
geral de preços, mostra que a inflação está em 24,3%, mas outros
índices de preços não chegam
nem à metade disso. Não foi à
toa que o índice da Fipe, mesmo
se referindo só a SP e com critérios de um otimismo invejável,
tornou-se o mais destacado pela
mídia no atual governo: o índice
da Fipe está sempre lá embaixo,
em comparação com os outros.
Além disso, as políticas administrativas perversas costumam
ser como os corpos doentes; mesmo neles, é normal haver partes
que até exibem desenvolvimentos saudáveis. Não é porque suas
unhas cresçam, merecendo os
melhores atestados da especialidade onicológica, que o paciente
terminal estará melhorando. O
recuperado Antonio Palocci e o
irrecuperado Fernando Henrique fizeram, a propósito do relatório da transição, duas boas
sínteses. O primeiro, sobre os oito
anos de Fernando Henrique: "O
governo difundiu só uma ilusão". O outro, ao falar, como se
fosse de Lula, do modo como
criou a ilusão: "com retórica de
palanque". Nesta, faltou só pormenor: retórica de palanque
aplicada aos salões.
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