São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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ELIO GASPARI

Fernando Campos Salles foi salvo pela alma de JK

Termina nesta semana o mais longo reinado democrático da república brasileira. FFHH deixa o palácio como Getúlio Vargas em 1945 e JK em 1961. Só pensa em voltar. Enquanto governou, sonhou em ser uma mistura de Kubitschek (1956-1961) com Campos Salles (1898-1902). Artes de FFHH: fracassou integralmente e foi completamente bem-sucedido. Sua idéia era juntar dois desempenhos. Num primeiro momento, buscaria o equilíbrio financeiro conseguido por Campos Salles depois da desordem do crédito e da moeda dos primeiros anos da República. Reeleito, correria atrás do progresso e do otimismo dos anos JK. Fracassou porque seu primeiro mandato foi ruinoso como o de Campos Salles, e o segundo, também.
Havia outro caminho. FFHH somaria o equilíbrio financeiro do antipático Campos Salles ao bom humor, à leveza de espírito e à alma democrática de JK. Triunfou. FFHH deu ao país muito mais estabilidade política e administrativa do que paz monetária (os 25,3% de IGP-M estão aí para provar isso). Nunca será demais repetir: nos últimos oito anos a crise entrava de um tamanho no palácio e saia menor, sempre. (Uma crise que comeu a vida ou uma parte do mandato de metade dos outros presidentes eleitos a partir de 1946.) Essa será a saudade que FFHH deixará.
FFHH vai-se embora sem que a polícia de Brasília tenha que proibir as pessoas de subir em árvores para vaiá-lo e sem notícia de que tenham sido vendidos 4.000 apitos numa loja da capital. Não será maltratado como Campos Salles, até porque, tendo governado num clima de bonomia, não tem a imprensa a atiçar o povo contra sua imperial pessoa.
Seria falta de educação dizer dele o que disse "O Paiz" de seu ícone: "Sugou da nação as suas economias, reduziu-a à penúria para honrar a palavra dada aos banqueiros ingleses". Há cem anos, o jornal queixava-se da exploração, pela banca internacional, do "nosso medo".
Tudo o que se espera é que FFHH não venha a ser tratado como o professor Fernando Henrique Cardoso tratou Campos Salles na "História Geral da Civilização Brasileira". Quando o professor foi obrigado a reconhecer que o presidente equilibrou as contas e restabeleceu o crédito, tascou um "saneou" com as aspas do deboche ou, no melhor dos casos, da ironia.
Ao fim de oito anos, tudo o que se deseja é que FFHH não saia da política. Mais: que faça e lidere oposição a Lula. Esse poderá ser o seu terceiro legado: foi um moderado, porém inflexível, adversário da ditadura, governou como um democrata bem-humorado. A partir de quinta-feira, poderá fazer algo inédito: oposição a um só tempo democrática e cavalheiresca.

Diga e faça
Lula ensinou:
"Quero dizer para as pessoas que passam dificuldades que não se desesperem. Se uma pessoa pelo menos almoça e janta, já vale a pena, mas não pode desanimar". Não devem desanimar nem os retirantes da favela Zaki Narchi, de São Paulo. Suas casas e suas coisas pegaram fogo. Pelo menos 200 desabrigados foram para uma escola municipal. No jantar de Natal, inúmeros favelados receberam marmitas com comida malcheirosa e azeda. Era ceia estragada.
Deve-se desanimar quando se sabe que uma assessora da Secretaria Municipal de Assistência Social da administração petista deu a seguinte explicação ao repórter Igor Giannasi: "Azedou porque azedou. Nunca azedou comida na sua geladeira?".
Cadê a prefeita Marta Suplicy? Viajou no dia 24 e volta no dia 30. Para onde? Na quinta-feira, sua assessoria não informava onde ela estava. Não informava se estava na cidade que governa nem no país onde tem domicílio. Talvez estivesse em Punta del Este.

Curso Madame Natasha de piano e português
Madame Natasha tem horror a música e cuida da simplicidade do idioma. Ela concedeu mais uma de suas bolsas de estudo a Lula, que usou duas vezes a expressão "peça orçamentária" para falar do aperto das contas nacionais.
Madame acha que ele quis dizer Orçamento. "Peça orçamentária" é uma maneira pernóstica de tratar a mercadoria. Assim como "peça íntima" é a versão pernóstica da calcinha e da cueca.

Briga de foice
Será dura a disputa pela presidência do PSDB.

Com o "sub do sub", Bush jogou bruto
Pode-se fazer de conta que não aconteceu, mas o presidente norte-americano, George Bush, deu uma demonstração explícita e pública de desapreço para com Lula ao designar o seu negociador comercial Robert Zoellick para representá-lo na cerimônia de posse.
Zoellick tem nível ministerial, mas não é um membro do gabinete de Bush. Para uma posse no dia 1º de janeiro, não se pode querer coisa melhor. O problema da indicação de Zoellick está no fato de Lula tê-lo menosprezado publica e explicitamente, chamando-o de "sub do sub do sub".
O companheiro Bush impôs a Lula o mesmo constrangimento que os chineses impuseram à missão diplomática brasileira que encaminhou o restabelecimento das relações entre os dois países, em 1974. A comitiva foi recebida em Beijing por dois diplomatas que a ditadura prendera em 1964.
Lula poderia dar o troco, designando o embaixador José Maurício Bustani para acompanhar Zoellick durante sua permanência no Brasil. Bustani foi o diretor-geral da Organização para a Proscrição de Armas Químicas, que os americanos defenestraram em abril. Pelo andar da carruagem, o doutor Zoellick vai arrumar alguma encrenca. A presença de Fidel Castro na mesma festa poderá ser um ótimo pretexto.

A narcobancada está grampeada
A Câmara continua fingindo que o caso do deputado cearense Pinheiro Landim, acusado pela Polícia Federal de conluio com traficantes de cocaína, é algo pouco mais grave que uma transgressão de trânsito. Se algum dos caciques da banda que manda no PMDB acha que Landim está sendo crucificado, devia partir em sua defesa, apesar de ele ter se desligado do partido. Afinal não se desliga um deputado como quem desliga o liquidificador. O recesso está servindo de cortina para que se esconda o gato preto. É mau negócio para o Parlamento.
A Operação Diamante, conduzida pelo DPF, é coisa maior do que se pensa. São três anos de grampos autorizados pela Justiça. Ela feriu o coração do Poder Judiciário, que, pelo menos, resolveu auto-investigar-se. Desvendou um pedaço de uma teia que sai de Brasília, roda pelo Ceará, pelo Acre e, com certeza, tem um pé no Maranhão.
Quem ouviu as fitas pode suspeitar que exista na Câmara dos Deputados uma narcobancada. "Landim não é o único suspeito" é uma frase contra a qual o Congresso deve se vacinar. Ou faz isso, ou cria-se uma situação em que parlamentares ficam com o rabo preso. Se há deputados que prenderam o rabo com traficantes de cocaína, podem vir a prendê-lo com policiais. Conhece-se um famoso caso de processo por corrupção que não andava porque o senador tinha o rabo preso no Planalto.
Esse tipo de embuste degrada o Congresso. A direção do PMDB já conseguiu fazer o primeiro estrago: passou à patuléia a sensação de que trata o assunto com se fosse uma transgressão com a qual não tem muito tempo para perder.
Pena, porque essa conduta desleixada não confere com o passado do presidente do partido, doutor Michel Temer, ex-secretário de Segurança de São Paulo. Também não deve conferir com a história de Renan Calheiros, ex-ministro da Justiça e candidato de FFHH à presidência do Senado.

Sherlock Holmes x Agatha Christie
Circula na órbita celeste um manifesto assinado por Sherlock Holmes, Hercule Poirot, Stálin, Felix Djerzinsky (fundador da polícia soviética) e J. Edgard Hoover (patrono do FBI).
Estão horrorizados com a possibilidade de o doutor Márcio Thomaz Bastos aceitar a participação da assembléia dos delegados da polícia federal na escolha do novo diretor da instituição.
Agatha Christie está passando outro manifesto. Ela apóia a idéia. Acha que vai enriquecer as tramas dos romances policiais.

Ana no Rio
A melhor coisa que o governo de FFHH terá feito pelo Rio será a instalação de sua atual assessora Ana Tavares na cidade. Ela cuidou da alma de FFHH com a imprensa.
De seu trabalho resultaram duas conclusões. Pela competência, poderia dirigir tanto uma central nuclear como uma fábrica de aviões. Pelo temperamento, acredita-se que ela seja uma prova da existência de Deus.

Um dia, um magro
Um novo ano traz a inevitável promessa de que, desta vez, o regime será a sério. Para quem quiser emagrecer, um alento: uma fotografia de 1947, tirada na praia do Olho D'Água, em São Luiz. O atleta é José Sarney.
A foto, com outras 200 fotografias, está no livro "José Sarney - Democrata Humanista", do repórter Luiz Gutemberg.



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