São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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EDUCAÇÃO

Há ceticismo sobre objetivo do governo Lula de alfabetizar 16,3 milhões em quatro anos; inclusão é vista como problemática

Para técnicos, analfabetismo vai persistir

Eduardo Knapp - 25.out.2001/Folha Imagem
Voluntária do Poupatempo escreve carta para Edvald Gomes Ribeiro, que é analfabeto


ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

Se o governo do PT cumprir a promessa de campanha, enfatizada na quinta-feira pelo ministro Cristovam Buarque (Educação) em sua posse, de erradicar o analfabetismo em quatro anos, o Brasil entrará para a história como o primeiro país de grandes dimensões a ter conseguido esse avanço em tão pouco tempo.
Por essa mesma razão, pesquisadores na área de educação ouvidos pela Folha se mostram céticos ou apontam dificuldades para atingir uma meta tão ambiciosa.
A proposta do futuro ministro e de sua secretária de Alfabetização, Esther Grossi, é alfabetizar 5 milhões de analfabetos por ano em cursos que durariam três meses. Esses cursos seriam dados por professores que receberiam um adicional para dar aula e R$ 100, valor que ainda será definido oficialmente, por aluno formado.
A idéia de Cristovam é pagar R$ 100 também aos analfabetos que, no final dos três meses, conseguirem escrever uma carta simples.
A primeira dificuldade citada por especialistas ouvidos pela Folha é encontrar e dimensionar os analfabetos. O documento de campanha do PT, com dados de 1999 atribuídos ao IBGE, fala em "aproximadamente 20 milhões de analfabetos acima de 15 anos."
O Censo 2000, o estudo mais atual e detalhado sobre a população brasileira, no entanto, mostra outro número: 16,3 milhões, ou 13,6% da população com mais de 15 anos. Em 1999, segundo a Pnad do IBGE (pesquisa que não leva em conta a população rural da região Norte), eram 15,4 milhões.
No Nordeste está a maioria dos analfabetos. As maiores taxas encontram-se entre os mais velhos e os moradores das áreas rurais.
"É muito difícil você chegar e alfabetizar as populações mais velhas das regiões mais pobres do país. As campanhas de alfabetização orientadas para esse tipo de público apresentavam muita reversão, ou seja, o aluno aprendia um pouquinho, mas isso era insuficiente e ele voltava a ser considerado analfabeto", afirma o sociólogo Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE.
Para Rose Neubauer, ex-secretária da Educação do Estado de São Paulo, o país deveria priorizar os analfabetos mais jovens para erradicar o analfabetismo.
"Não temos recursos em educação para fazer tudo o que queremos. O país precisa escolher prioridades. Campanhas grandiosas de alfabetização costumam ter muita pirotecnia, o aluno aprende a assinar o nome e noções iniciais, mas, depois de um ano, se ele não usa esse conhecimento, acaba perdendo. Eu duvido que o governo consiga em quatro anos erradicar, efetivamente, o analfabetismo adulto. Estamos erradicando o analfabetismo à medida que colocamos todas as crianças na escola", afirma Neubauer.
Para Eliane Andrade, professora da Faculdade de Educação da UniRio (universidade federal com sede no Rio de Janeiro) e consultora de pesquisa da Unesco, o grande desafio das campanhas de alfabetização é dar continuidade à educação de jovens e adultos analfabetos.
"Ninguém é contra a proposta de alfabetizar em três, quatro ou cinco meses. A preocupação que temos é que todas as experiências de alfabetização em massa de adultos apresentaram problemas de falta de continuidade. O sistema nacional de educação tem que estar preparado para receber essas pessoas que se alfabetizam", afirma Andrade.
Segundo ela, programas recentes de erradicação de analfabetismo em Estados e municípios esbarraram nesse mesmo problema: "Os alunos se formavam, recebiam um certificado, mas ele não era aceito pelo mercado. Isso aconteceu com o Mova [programa comum em várias prefeituras petistas] e com o Alfabetização Solidária [programa apoiado pelo governo FHC]. As experiências de combate ao analfabetismo adulto mais bem-sucedidas foram as que conseguiram incluir o aluno na rede de Educação de Jovens e Adultos, garantindo que ele prosseguisse com os estudos."
Para Maria Clara di Pierro, da ONG AçãoEducativa, o governo já terá feito muito se cumprir a meta do PNE (Plano Nacional de Educação) de 2001.
"Não acho que seja útil duvidar num momento tão esperançoso, mas é preciso reconhecer que a meta é muito ousada. Estamos saindo de um patamar muito baixo e tudo o que for feito para se aproximar da meta será positivo."
O PNE estabelece como meta a erradicação do analfabetismo em dez anos, contados a partir de 2001, quando o plano foi aprovado no Congresso. Nos cinco primeiros anos, o que pegaria o final do governo Lula, em 2006, o PNE prevê a redução em 66% do número de analfabetos. "Se temos 16 milhões, isso significa alfabetizar cerca de 11 milhões deles. Essa meta já é bastante ousada, mas tem que ser cumprida por qualquer governo", diz Pierro.
A duração curta (três meses) dos cursos de alfabetização também é citada por Pierro como um dos entraves para a alfabetização com qualidade: "Três meses não me parecem suficientes. Tivemos nos últimos sete anos a experiência do Alfabetização Solidária, cujos cursos duravam cinco meses e, mesmo assim, apenas 20% a 25% dos alunos eram alfabetizados. O próprio programa falava apenas em "sensibilizar" os analfabetos."

Mobral
Outra experiência citada como exemplo de pouco sucesso é o Mobral, criado em 1970 pelos governos militares (1964-1985).
O Mobral, assim como a proposta de Esther Grossi, previa que o professor que tivesse sucesso na alfabetização de alunos recebesse um bônus em dinheiro por isso. "Isso fez com que alguns professores matriculassem alunos já alfabetizados para ganhar o dinheiro", conta Pierro.


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