São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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DANUZA LEÃO

Num aeroporto

A sala de espera de um aeroporto é um universo fascinante. É fácil saber quem está louco para ir, quem está louco para ficar, e quando cai uma tempestade daquelas, com direito a raios e trovões, e o vôo é cancelado, mesmo quem não costuma ter medo de avião fica apreensivo, para dizer o mínimo.
A primeira coisa é pegar o celular; passa a ser uma necessidade vital falar com alguém, não (só) para dizer que vai se atrasar mas para ouvir uma voz humana, mais humana do que a da funcionária da companhia aérea que anunciou que o aeroporto está sem teto.
Os passageiros se comportam bem, como se voar fosse uma coisa muito natural -o que, aliás, não é. Pegam a agenda, rabiscam qualquer coisa e continuam telefonando sem parar. O alto-falante avisa que não há previsão para o vôo, e todos continuam fingindo que são pessoas civilizadas e se portando como tal; no fundo, morrendo de medo.
Só que ninguém tem uma reação nem toma uma atitude. Ficam todos quietos, parados, esperando por uma ordem superior que vai estabelecer, a partir da meteorologia, quando o avião vai poder decolar. Todos com medo, mas esperando pelas decisões que vão decidir o seu destino -ficar ou ir (e aquela que a gente não ousa pensar, para não atrair o pior).
Nunca vi ninguém desistir, pegar a sacola e ir embora para tentar embarcar no dia seguinte, quando o tempo provavelmente estará melhor -tempestades não costumam durar muitas horas; e, do fundo do coração, pensar: dane-se a reunião, dane-se o jantar marcado, dane-se o mundo.
Entrar num avião debaixo de tempestade não é fácil, mas as pessoas permanecem paralisadas; pelas convenções, pelos compromissos, pelo dever.
Apesar de existirem outras convenções, outros compromissos, outros deveres mais importantes do que tudo, ninguém se lembra de que é dono da própria vida e que certas coisas -como o medo, por exemplo- podem e devem ser respeitadas.
Numa hora dessas todo mundo tem um pressentimento -na maioria das vezes falso- de que não deve ir. Se resolver voltar para casa, vai ver que não há nada melhor, numa noite de temporal, do que estar na cama. Se estiver numa cidade estranha, sempre poderá ir ao bar do hotel tomar uma bebida e conversar com o garçom, mas não: é como se todos tivessem o seu destino traçado e não pudessem nem tentar mudá-lo -e é claro que sempre se pode.
É uma mão-de-obra: cancelar o que estava marcado, talvez perder a chance de fechar aquele negócio -afinal, vai dizer o quê? A verdade, que teve medo do mau tempo? Não fica nem bem, no mundo dos adultos -e dos negócios.
Mas, da próxima vez que isso acontecer, tente. Tente respeitar seus instintos mais básicos, tenha a coragem de ter medo, aja como uma criança -só as crianças e os muito idosos têm o direito de serem irresponsáveis- e jogue tudo para o alto; isso é tão bom, às vezes.
Pode ser que perca algumas coisas, pode ser que não, mas você terá a leve impressão de que é capaz de comandar sua própria vida.
Não é verdade, claro, mas é bem agradável uma ilusão assim, de vez em quando. Só agradável não: é fundamental.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br


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