São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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PERDIDOS NA SELVA

Até novembro, a PM retirou 126 pessoas da serra do Mar; maioria são adolescentes que se aventuram nas férias

Polícia abre temporada de resgate na mata

SÉRGIO DURAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Eles saem preparados para um filme de aventura e acabam assistindo a tragédias. É o que ocorre com jovens e adolescentes que fazem trilhas ecológicas e acampam no Parque Estadual da Serra do Mar, localizado entre a Grande São Paulo e o litoral do Estado.
Segundo o Comando de Operações Especiais (COE), da Polícia Militar, a temporada de perdidos na mata começa em janeiro e se estende até o feriado do Carnaval. Depois, os casos ficam mais raros, já que a neblina e o frio típicos da região inibem os aventureiros.
De janeiro a novembro do ano passado, foram registradas 48 ocorrências de desaparecimento na região, a maioria na chamada alta temporada. Foram resgatadas 126 pessoas -praticamente uma a cada dois dias do ano. O comando ainda não fechou estatísticas a respeito de mortes na serra.
Mesmo assim esses números tratam apenas dos casos mais graves. "A maioria dos grupos perdidos é localizada pelo Corpo de Bombeiros da região ou consegue encontrar a saída da mata sozinha, depois de horas. Nós somos acionados quando o resgate é mais complicado", afirma o primeiro-tenente do COE Iron Sérgio Ferreira da Silva.
A faixa etária das pessoas resgatadas pelo comando varia de 12 a 18 anos. Nem sempre a história tem final feliz. Há casos de morte por afogamento, choque térmico, queda de precipício, hipotermia e mutilação em atropelamentos por trens da estrada de ferro Santos-Jundiaí, que corta a região.
"O início geralmente é o mesmo: irresponsabilidade, guias despreparados, quando há guias, e uso excessivo de drogas e álcool", afirma o primeiro-tenente.
As mortes por afogamento e por choque térmico são as mais comuns, segundo o COE. Ao iniciar uma trilha de seis horas, os adolescentes cortam rios e cachoeiras rasos. Porém, na serra, as chuvas são frequentes. Por isso eles são pegos de surpresa pelo aumento rápido do volume das águas.
Há dois anos, conta o primeiro-tenente, o corpo de um adolescente foi resgatado em Cubatão, após ter sido arrastado pela correnteza dos rios da serra do Mar desde a região de São Bernardo. "O corpo dos afogados é geralmente resgatado dessa forma."
O choque térmico, que provoca morte por parada cardíaca, ocorre quando os adolescentes decidem se refrescar do suor da caminhada com um banho de cachoeira ou poço. "Eles se esquecem que, na serra, a temperatura da água é baixíssima", diz.
As mutilações em acidentes na estrada de ferro, mais raras, acontecem na trilha Rio Branquinho, na altura da Vila Evangelista de Souza, divisa dos municípios de São Paulo e São Bernardo. Os adolescentes sofrem acidentes ao pegar carona no trem de carga que corta a região.

Camping
O número de visitantes despreparados no Parque Estadual da Serra do Mar fez com que a organização não-governamental Olhos da Mata, que atua no local, exigisse providência do governo na Justiça, com o auxílio do Ministério Público Estadual.
Na ação civil pública de número 75, de 2000, a ONG narra tragédias juvenis no parque. Um dos números refere-se a mortes por afogamento. De 1987 a 2000, 26 adolescentes morreram em poços, cachoeiras e prainhas de um dos pontos do parque, o do bairro Barragem (zona sul da capital).
"Os responsáveis dizem que lá não é muito visitado, o que não é verdade. Em um ano, nós contamos 1.500 praticantes de camping na região do bairro", afirma o ambientalista Adilson Rodrigues, conselheiro da entidade.
A Olhos da Mata alega que o Estado não tem uma política de ecoturismo na região. Por enquanto vencem os argumentos do governo de que não interessa explorar o parque, extenso demais para ser monitorado de perto.
Com cinco amigos, o estudante Fabiano Alves, 22, era mais um a engrossar as estatísticas da Olhos da Mata. No dia 27 do mês passado, o grupo caminhava rumo à região da estrada de ferro, em Barragem, onde acampariam até o Ano Novo. Na bagagem, refresco em pó e macarrão instantâneo. "Nunca tive problemas. Não é tão difícil assim", afirmou Alves.
Com planos de ficar apenas um dia caminhando, um grupo de 27 adolescentes resolveu, no último dia 10, fazer a trilha das Torres, que sai de São Bernardo.
Ao pararem um pouco para trocar as roupas por outras de banho, 12 jovens -a maioria garotas- se perderam do restante do grupo. Resultado: foram encontradas 30 horas depois, pelo COE, com desidratação e hipotermia.
"Quando escureceu, entramos em desespero. Tivemos de racionar o único pacote de bolacha que tínhamos. Dormimos uma agarrada na outra", diz Silvana, 17, que participou da aventura.


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