São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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RIO

Promessa da polícia de criar laboratório para fazer exame de DNA não sai do papel; há casos sem esclarecimentos desde 1998

Desaparecidos do tráfico seguem ignorados

Associated Press
Corpo achado em cemitério clandestino do Salgueiro


FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

A não-realização de exames de DNA está dificultando que famílias de pessoas desaparecidas nos complexos de favelas do Alemão e da Penha (zona norte do Rio) possam identificar os corpos das vítimas encontradas pela polícia.
Investigações preliminares indicam que essas pessoas, ainda incluídas na estatística de desaparecidos, teriam sido mortas por traficantes da mesma região em que foi assassinado o jornalista Tim Lopes, da TV Globo. Esses complexos de favelas da zona norte carioca estão sob o controle do Comando Vermelho (CV).
Esses personagens são os desaparecidos do tráfico: jovens que foram a bailes funks e não voltaram, moradores que saíram de casa e nunca chegaram para onde seguiam, gente que subiu o morro e não desceu. Há casos de 1998 ainda não esclarecidos.
A polícia do Rio não criou o prometido laboratório para fazer exames de DNA (alega que a licitação já foi feita), fundamentais na identificação de corpos muito degradados. Só o teste de DNA permitiu a identificação dos restos mortais de Lopes, torturado e morto por traficantes em 2 de junho, quando fazia uma reportagem na Vila Cruzeiro. O traficante Elias Pereira da Silva, o Elias Maluco, é acusado pelo crime, junto com oito homens de seu bando.
As buscas pelo corpo de Lopes revelaram a existência de um cemitério clandestino na favela da Grota. Restos mortais de pelo menos outras três pessoas, entre elas uma mulher, foram localizados, mas ainda não identificados.
O Serviço de Descoberta de Paradeiros da Delegacia de Homicídios juntou as ocorrências de desaparecidos possivelmente vitimados pelo tráfico na região e cadastrou cerca de dez famílias para o exame de DNA.
O teste permite comparar amostras de sangue dos parentes vivos com os fragmentos de ossos encontrados no cemitério clandestino. "Um daqueles corpos encontrados na Grota pode ser do meu filho. Tenho direito de saber, mas não tenho como pagar pelo exame. Só posso mesmo é esperar", disse a doméstica Natair das Graças, 52, mãe do desaparecido Luiz Cláudio da Silva Bezerra.
Motoqueiro da rede de lanchonetes Bob's, Bezerra desapareceu em 8 de dezembro de 2000, quando foi levar duas amigas à Vila Cruzeiro. Depois do desaparecimento, a família soube que o ex-namorado de uma das jovens era traficante. Enciumado, teria matado o rapaz.
Paulo César Rodrigues do Nascimento, 33, era motociclista de uma firma de entrega de documentos. Em 20 de junho de 2000, passando pela favela da Grota a caminho de casa, desapareceu. Colegas receberam a informação de que Nascimento fora morto e queimado por traficantes.
Antes mesmo da morte de Tim Lopes, já havia notícias de que traficantes matavam e queimavam suas vítimas nos complexos do Alemão e da Penha.
Um dos acusados pela morte de Lopes, Fernando Satyro da Silva, o Frei, disse ter sabido que Elias Maluco matara e enterrara de 50 a 60 pessoas na região, só no ano passado. Depois das buscas pelos restos mortais do jornalista da Globo, não houve novas escavações para localizar cemitérios clandestinos na região.
O inspetor Gilvan Ferreira, do Serviço de Descoberta de Paradeiros, disse que estão sendo cadastrados para exame de DNA casos supostamente ligados à atuação de traficantes como Elias Maluco e seus antecessores.
Segundo Ferreira, o DNA é a única forma de esclarecer casos em que o estado dos corpos impede a análise da impressão digital. Outra forma de identificação, pelo exame da arcada dentária, é prejudicada porque muitas vítimas são pobres, e as famílias não têm informações seguras fornecidas pelos dentistas.
Ferreira disse que "a ausência desse laboratório dentro dos nossos órgãos técnicos realmente está dificultando esse trabalho", afirmou o inspetor.
Há 648 casos de desaparecimentos ocorridos nos últimos anos sendo investigados pela Delegacia de Homicídios, mas os registros não param de crescer.
Até sexta-feira, haviam sido notificados 565 casos no Estado do Rio, excluindo informações da Baixada Fluminense, onde há um serviço próprio de buscas.
O número de casos deve superar o do ano passado, quando foram computados 570 desaparecimentos. Em 2000, houve 619. Em 1999, 630. Desde 1993, foram cerca de 6.000 registros.
Não se sabe quantos desses se deve à ação dos traficantes, e as investigações são dificultadas pela falta de informações. Quando o assunto é o tráfico de drogas, o medo impõe a lei do silêncio. Quem fala teme se transformar em mais um número na estatística de desaparecidos.


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