São Paulo, sábado, 06 de outubro de 2007

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WALTER CENEVIVA

Direito à fidelidade partidária


Não há, na Carta, liberdade para a troca-troca partidária que, depois de cada eleição, se verifica entre nós

COMEÇO COM OBVIEDADE rústica: a "fidelidade partidária" tem esse nome porque o substantivo (fidelidade) se refere diretamente ao adjetivo (partidária). Quando a Constituição cita fidelidade partidária no artigo 14, parágrafo 1º, a impõe como qualidade essencial, definida nos estatutos do partido com a disciplina partidária. Não se trata de uma qualidade qualquer, mas de elemento essencial. Vincula a conduta parlamentar às regras aceitas pelo partido como um todo.
O núcleo do debate travado entre políticos e juristas se situa, portanto, no corpo da Carta Magna, a cujo respeito a maior autoridade é o STF (Supremo Tribunal Federal). Está no artigo 102: "Compete ao Supremo Tribunal Federal, precipuamente, a guarda da Constituição".
A frase está entre aspas pois transcrevi o texto constitucional. Lendo-o, o leitor verificará os estritos limites da discussão. Não há, na Carta, liberdade para a troca-troca partidária que, após cada eleição, se verifica entre nós. Troca-troca, além de outros significados, tem o de mudar de partido ou de posição para obter vantagem. Não é comportamento aceito pela ética e pelo direito.
Voltemos, porém, ao artigo 102 para ler o advérbio de modo precipuamente. Precípuo, dizem os dicionários, é o principal, o essencial. Logo, o modo de exercer sua competência, pelo STF, tem a finalidade principal, essencial de guardar a Constituição contra comportamentos, atitudes e resoluções que a violem. "Guardar", aí, é preservar da violência, proteger. Impedir atentados contra o espírito que mais a caracteriza, inerente ao Estado Democrático de Direito, escrito em maiúsculas, para mostrar sua importância.
A Constituição tem outros elementos que tornam a expressão "fidelidade partidária" mais fácil de compreender. Os artigos 14 a 16 compõem o quadro essencial dos direitos políticos. Entre eles estão as chamadas condições de elegibilidade, ou seja, requisitos sem os quais ninguém pode ser eleito para o Legislativo ou para o Executivo.
Afasto as dúvidas quanto ao entendimento defendido nesta coluna há muito tempo: para que alguém se lance candidato é necessário ter filiação partidária, como está no inciso V do parágrafo 3º do artigo 14.
Preocupado, hoje, em aprofundar definições terminológicas, cabe anotar que filiação corresponde à descendência da pessoa em relação a seus pais, em conjunto ou de um deles. Daí decorreu a filiação enquanto conexão entre seres humanos por força ou comunhão de idéias e palavras. O cidadão, ao se candidatar para legislador, prefeito, governador ou presidente, define propostas com as quais pretende obter voto. Ideais que jura cumprir -embora freqüentemente não acredite neles-, que compromete, antes mesmo de ser eleito, e que abandona em favor dos prováveis vencedores no Executivo. Essa conduta não é só imoral. Trai o povo, dono de todo poder. É ilegal, inconstitucional.
Quando o STF traz a debate a questão da fidelidade partidária, mostra-se à altura da dignidade atribuída pelo diploma ao qual os juristas chamam de lei maior. Esse é o sentido histórico da discussão que o STF detonou, quando começou a decompor as faces da fidelidade. Ser fiel não é ser imóvel, imutável. Mas, pelo menos, ser constante, coerente. Não vendável.


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