São Paulo, domingo, 29 de dezembro de 2002

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DANUZA LEÃO

Felicidades, FH

Durante oito anos, achamos até que éramos felizes; razoavelmente felizes.
Tínhamos na Presidência um homem com um passado irretocável e cheio de boas intenções; inteligente, educado, gentil, daqueles que uma moça pode apresentar aos amigos e à familia na certeza de que todos terão dele uma boa impressão. Um príncipe -tropical-, praticamente.
Nas universidades do mundo ele faria um bonito, como aliás fez, e se chegasse numa roda de samba, usando e abusando do seu poder de sedução, explicaria toda a história da música popular brasileira através da sociologia. Os sambistas adorariam mas nunca o chamariam de Fernando para mostrar intimidade, como tantos.
No começo foram só flores, como aliás costumam ser os começos. A classe média viveu alguns anos de tranquilidade, sabendo que sem inflação as contas do mês iam ser pagas -o que já não é nada mal- e com o dólar a R$ 1. Foram tempos de paz, durante os quais alguns vacilos pintaram, claro, como em qualquer história que se preza.
Da boca desse homem charmoso saíram pérolas inesquecíveis, como o comentário sobre os aposentados, e uma outra quando disse que o Brasil estava muito bem, pois até sua empregada tinha ido passar as férias na Grécia -Maria Antonieta perde. Ele sabia falar, e muito bem, com seus iguais; já com os não tão iguais ele escorregava. E ainda teve a história da reeleição: quer dizer que quatro anos a mais tudo bem, mas seis dias -para adiar a posse- não podia?
Ruth Cardoso foi a mulher certa: inteligente e culta, fez um trabalho primoroso na área social, sempre na maior discreção. Durante esses anos o casal encheu de orgulho a nação que, depois de tantas baixarias, tinha enfim um par correto e elegante à frente do país.
Quando os tucanos chegaram ao poder, inaugurou-se uma era chique no Brasil, da qual estávamos bem precisados. Foram os tempos da não-grife, dos ternos de gabardine beige e camisa social azul claro, dos colares quase artesanais de prata.
Era bom ter um pai assim, que nos enchia de orgulho. Digo pai porque a imagem de um presidente se confunde, sempre, com a imagem paterna.
Mas a esse pai faltou, em alguns momentos, um pulso mais firme para poder dizer não. A cordialidade é necessária, mas a dureza, quando é preciso, também.
Não, não se pode dizer que tenham sido anos ruins; mas que poderiam ter sido melhores, lá isso podiam. O Brasil parecia uma terra encantada onde todos se davam bem, se tratavam com delicadeza, inteligência e bons modos, mas isso não foi o suficiente; não foi mesmo, como se viu. Apesar de haver declarado ter um pé na cozinha, faltou a FH ter, além do pé, também o coração. Foram tempos de muito charme mas de pouca emoção.
Vamos sentir saudades? Vamos, sim, e muitas vezes, depois que nossa lua-de-mel cívica acabar. E FH também vai sentir saudades, sobretudo do Palácio da Alvorada, que parece ter sido feito sob medida para ele, que nunca escondeu que gostaria de morar lá o resto da vida. Não, nada de mais quatro anos: apenas uma questão estética.
Ao governo que está terminando faltou paixão; mas para prevenir, é bom lembrar que assim como não se vive só de charme, também não se vive só de paixão.
Valeu, presidente. Boa sorte.

E-mail - danuza.leao@uol.com.br



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