São Paulo, domingo, 05 de janeiro de 2003

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TENDÊNCIAS INTERNACIONAIS

Programas sociais não bastam para superar pobreza

GILSON SCHWARTZ
ARTICULISTA DA FOLHA

Uma das iniciativas mais celebradas nesses primeiros tempos de gestão petista é a de colocar o combate à pobreza em primeiro plano, até incluindo metas sociais nas negociações com a comunidade financeira internacional.
Não é uma novidade nem algo estranho aos organismos multilaterais como FMI e Banco Mundial. Mais ainda, já há algum ceticismo sobre essa nova forma de organizar as agendas reformistas nos países pobres.
Se antes o foco da discussão eram as privatizações como condição de desenvolvimento, agora há toda uma literatura sobre como os setores de infra-estrutura privatizados podem ser regulados para servir ao propósito de reduzir a pobreza.
Novas metodologias foram criadas e começam a ser testadas para medir a qualidade e os resultados das políticas sociais. Amplia-se o debate sobre indicadores de desenvolvimento humano e modelos de ampliação do "capital social", levando à publicação de dezenas de pesquisas sobre os efeitos da corrupção sobre o crescimento econômico. Mas há dúvidas sobre a eficácia desses projetos sociais.
Alguns integrantes do novo governo, por exemplo, fizeram críticas às políticas sociais do governo FHC. O ministro da Fazenda, Antonio Palocci, chegou a criticar a falta de coordenação dos programas existentes. Técnicos e políticos que estão saindo preferiram não polemizar.
Mas o cientista social Vilmar Faria, que atuou no desenho e na coordenação de programas sociais no governo FHC, pode ser invocado postumamente para enriquecer o debate.
Num amplo diagnóstico, publicado postumamente pela Revista da Cepal em agosto do ano passado (número 77, disponível em http://www.eclac.cl), Faria alertava para os riscos de centralização dos programas numa "autoridade social", destacando "a criação de câmaras setoriais e mecanismos de integração de políticas no lugar de estruturas burocráticas de articulação".
Não se trata, portanto, de simplesmente afirmar que um ou mais projetos sociais são prioritários (compromisso hoje presente no discurso de todos), mas de aprofundar o debate sobre a cultura política e os jogos de poder implícitos nesses projetos.
Essa é uma crítica interna à idéia geral de prioridade ao social. Há outros debates em que a questão crucial é a eficácia desses programas quando o modelo de ajuste econômico permanece basicamente o mesmo (a ortodoxia financeira neoliberal).
Nos textos do FMI e do Banco Mundial, a adesão a princípios econômicos conservadores é condição de eficácia para as redes de proteção social que a comunidade financeira internacional estaria disposta a aceitar.
Mas há fontes mais críticas, como a Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento), para quem o fracasso das políticas de combate à pobreza resulta da manutenção de programas de ajuste econômico incompatíveis com a recuperação do crescimento econômico. Sem crescimento, não há programa social que resolva.
O discurso oficial afirma que não basta aderir às políticas econômicas confiáveis, mas que é crucial implementar programas diretos de combate à pobreza e transferência de renda. A Unctad está dizendo praticamente o oposto: sem modelos de ajuste favoráveis ao crescimento, os gastos sociais podem não passar de maquiagem.
Um provável consenso contemporâneo é o de que a pobreza é um fenômeno complexo. A crítica interna e externa ao "tudo pelo social", no entanto, está apenas começando.



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