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LIÇÕES CONTEMPORÂNEAS
Desafio para o novo presidente
LUCIANO COUTINHO
O espectro de uma guerra
no Oriente Médio provocou
um marcante agravamento da
aversão ao risco nos mercados de
capitais. Esse surto renovado de
apreensão dos investidores e dos
bancos tornou o crédito ainda
mais escasso para empresas de segunda linha e, especialmente, para as economias emergentes deficitárias, com destaque para o caso do Brasil. Reduziram-se as expectativas quanto ao crescimento
das economias norte-americana e
mundial em 2003 por causa dos
efeitos negativos que decorreriam
de um aumento dos preços do petróleo, de quedas adicionais das
Bolsas de Valores e de maior seletividade na concessão do crédito.
Para o Brasil, esse cenário piorado significa que a asfixia creditícia externa persistirá pressionando o mercado de câmbio e estreitará ainda mais o raio de manobra da política econômica nos
próximos meses. Nesse contexto, é
exacerbada a sensibilidade ante
as expectativas negativas e isso,
decerto, demandará grande cautela por parte do novo presidente.
Se eleito hoje, Luiz Inácio Lula
da Silva será chamado, já amanhã, à responsabilidade de lidar
com essas expectativas instáveis.
É certo que Lula tem plena consciência da delicadeza da situação
e -ao contrário de rumores disseminados por especuladores-
irá sinalizar, com clareza, que
buscará enfrentar as dificuldades
de forma construtiva e estabilizadora, constituindo uma equipe
econômica credível, competente e
capacitada.
Há, desde logo, uma perfeita
compreensão, por parte de Lula e
do Partido dos Trabalhadores,
quanto à crucialidade dos desafios na área fiscal. Na "Carta aos
Brasileiros", firmou-se o compromisso de que a trajetória da dívida pública será posta sob controle
e de que o superávit fiscal primário será obtido na escala necessária. Medidas complementares
precisarão ser votadas ainda neste ano para assegurar as metas
fiscais. Há clara percepção da urgência dessas providências. Ademais, será possível recriar o espaço para a queda da taxa de juros,
uma vez que é perfeitamente factível equacionar as contas externas em 2003. Reduções da taxa de
juros obviamente diminuirão a
pressão sobre a dívida interna.
Carecem de fundamento os
prognósticos (desinformados ou
dolosos) de que o Brasil está condenado a desembocar na insolvência externa. Se não vejamos. É
perfeitamente viável obter, já em
2003, superávit comercial de pelo
menos US$ 15,5 bilhões (pode ser
até maior, como resultado de políticas mais incisivas de apoio à
exportação e à substituição de
importações). Se isso ocorrer, o
déficit em conta corrente cairá
para algo próximo a US$ 9,5 bilhões no ano que vem, cifra que
pode ser financiada sem maior
dificuldade pelo ingresso de investimentos diretos (ainda que se
suponha que estes fiquem bem
abaixo da projeção do Banco
Central, de US$ 16 bilhões em
2003). Resta assegurar a rolagem
de dívidas, bônus e outros passivos cujo montante está estimado
em US$ 28 bilhões. Desse total devem ser excluídos os créditos oficiais e de fornecedores, pois não
há razão para que não sejam refinanciados. Ainda que a rolagem
do saldo restante seja parcial, os
recursos do programa com o FMI
serão suficientes para fechar as
contas externas em 2003. São contas apertadas, mas factíveis -e
não há razão para pânico irracional.
Muito ao contrário, a economia
brasileira tem, felizmente, capacidade de escape graças à possibilidade de aumentar e de sustentar
o superávit comercial. Mas a obtenção desses resultados no futuro
-que serão cruciais para assegurar a solvência- demandará
uma grande e persistente mobilização do setor privado e requererá investimentos substanciais para exportar e substituir importações. Uma taxa de câmbio estimulante (que deve ser preservada
sem que se abra mão do regime de
flutuação suja) não é suficiente
per se. Uma política industrial e
de comércio exterior será imprescindível para robustecer e manter
o saldo comercial num contexto
de retomada do crescimento da
economia. Na hora em que os
mercados compreenderem que o
novo governo empreenderá com
coerência e determinação uma
política de redução duradoura da
vulnerabilidade externa, ocorrerá
uma completa reviravolta nesse
estado de rejeição ao Brasil.
Na hipótese de a conjuntura internacional não se deteriorar, as
coisas ficarão mais fáceis. Mas o
novo presidente não deve contar
com isso. A posição passiva
-marca do governo FHC- já
nos custou muito caro. Doravante, é preciso trabalhar com senso
de urgência e com sentimento de
responsabilidade, uma vez que só
o nosso próprio esforço -de gerar
saldos em dólares como resultado
de nosso desempenho competitivo- poderá arrancar o Brasil do
risco e pavimentar o caminho para o crescimento sustentado.
Luciano Coutinho, 54, é professor titular do Instituto de Economia da Universidade de Campinas (Unicamp). Foi secretário-geral do Ministério da Ciência e
Tecnologia (1985-88).
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