São Paulo, domingo, 06 de outubro de 2002

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ARTIGO

Guerra EUA-Iraque pode frear retomada econômica

JEFFREY SACHS
ESPECIAL PARA A FOLHA

Com ou sem o apoio da ONU (Organização das Nações Unidas), a guerra contra o Iraque já parece ser inevitável. Os custos econômicos de tal guerra seriam enormes, tanto em termos de gastos diretos dos Estados Unidos como das consequências indiretas que o conflito teria sobre a economia mundial. Essa guerra teria lugar contra um pano de fundo de condições econômicas globais fracas e exacerbaria as debilidades, possivelmente mergulhando a economia mundial numa recessão. Os resultados econômicos da guerra podem muito bem depender do contexto diplomático. Se os EUA agirem sozinhos, os custos prováveis da guerra para a economia mundial seriam maiores do que se o país contasse com o respaldo da ONU.
Os custos da guerra precisam ser contrabalançados aos custos de opções alternativas. O fato de a guerra ter um custo alto não é um argumento válido a favor de não se fazer nada, especialmente em vista do risco sério de que o Iraque pode obter -e, algum dia, usar- armas de destruição em massa. No entanto travar uma guerra num contexto em que os meios diplomáticos -inspeções de armas, ameaças de retaliação a qualquer agressão iraquiana, prontidão da ONU para agir se o perigo do Iraque se tornasse iminente- poderiam bastar pode resultar em custos econômicos enormes e evitáveis.
A visão tradicional da guerra é que ela estimula a economia, pelo menos no curto prazo. Mas essa visão simples da economia em tempos de guerra é demasiado estreita para abranger os possíveis efeitos de uma guerra contra o Iraque. Precisamos também reconhecer que uma guerra contra o Iraque, mesmo uma guerra limitada, poderia causar transtornos profundos ao fluxo internacional de bens, serviços e investimentos.
Esses efeitos perturbadores não apenas atrasariam a produção, mas também enfraqueceriam a confiança de investidores e consumidores e, desse modo, restringiriam os investimentos privados e os gastos dos consumidores. O estímulo macroeconômico direto que pode resultar de gastos militares poderia ser superado pelas incertezas e pelos transtornos que acompanhariam o conflito.
Tais incertezas já estão se evidenciando. Os preços do petróleo já subiram vários dólares por barril desde o final do verão no hemisfério Norte. Desde junho, os mercados acionários mundiais sofreram uma queda de cerca de 20% em termos de dólares. Cada ponto a mais no índice de probabilidade da guerra vem fazendo os mercados caírem ainda mais.
A economia mundial moderna se ergue sobre uma rede complexa de conexões econômicas globais, e essas conexões são diretamente ameaçadas pela guerra. A guerra criaria riscos óbvios e evidentes aos transportes marítimos, especialmente ao transporte de petróleo saído do Oriente Médio.
Os custos aumentados poderiam provocar uma queda ainda maior nos fluxos de capitais entre países, intensificando o que vem acontecendo há dois anos, desde que o boom das Bolsas americanas chegou ao fim. A queda nesses fluxos se intensificou após os ataques terroristas de 11 de setembro de 2001. Os investimentos externos diretos em muitas regiões em desenvolvimento secaram, e os mercados emergentes que dependem desses fluxos de capitais, especialmente na América do Sul, têm visto suas economias mergulhando em crises financeiras cada vez maiores.
Mesmo que a economia americana se beneficie de uma injeção de ânimo de curto prazo provocada pelo aumento dos gastos militares, o mesmo não aconteceria com o resto do mundo. A maior parte dos países sentiria apenas efeitos negativos: perturbações do comércio, alta do petróleo, fuga de capitais internacionais, cortes em planos de investimentos -e tudo isso sem nenhum estímulo direto capaz de contrabalançar esses efeitos negativos.
A situação macroeconômica dos EUA também é preocupante. As políticas fiscais da administração Bush, somadas ao estouro da "bolha" financeira americana no final dos anos 90, empurraram os EUA para uma trajetória fiscal instável. Em lugar dos superávits orçamentários "a perder de vista", os EUA hoje têm grandes déficits orçamentários que vão se manter por muitos anos ainda. Uma guerra contra o Iraque provavelmente faria esses déficits orçamentários crescerem vertiginosamente.
Os déficits orçamentários em alta vão envenenar a política interna americana e levar a um impasse orçamentário. Este, por sua vez, pode provocar a perda da confiança dos consumidores. Como os gastos dos consumidores têm funcionado como o último baluarte remanescente da economia americana desde o estouro da "bolha" financeira, a guerra contra o Iraque poderia arrasar o último ponto de estabilidade da economia americana.
É claro que os planejadores americanos têm uma carta escondida na manga. Eles acreditam que a guerra será rápida, virtualmente sem esforço para os EUA, e que ela se financiará sozinha, na medida em que os EUA ganharão o controle efetivo sobre o petróleo iraquiano, o que provocaria a queda nos preços mundiais do combustível e também financiaria a reconstrução do Iraque no pós-guerra. É uma perspectiva sedutora, mas improvável. A guerra pode acabar não levando tão pouco tempo quanto se imagina.
Os custos geopolíticos de uma guerra unilateral movida pelos EUA seriam ainda maiores. Uma guerra rápida e bem-sucedida, contando com o apoio forte e explícito da ONU, oferece a maior chance de se evitar consequências econômicas negativas tremendas. Uma guerra que oponha os EUA ao mundo poderia lançar em dúvida o progresso da globalização, especialmente das negociações comerciais internacionais. Ademais, se os EUA agirem por conta própria, os custos pós-conflito com os quais o país arcará sozinho sem dúvida também serão maiores. Divisões políticas abertas e profundas entre os EUA e outros países importantes vão provocar uma perda de confiança dos investidores, prejudicando a estabilidade econômica mundial.


Jeffrey Sachs é professor de economia e diretor do Instituto da Terra da Universidade Columbia


Tradução de Clara Allain

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