São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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Cresce temor de novo calote na Argentina

Diante da dificuldade de o país obter crédito externo, bancos estrangeiros informam clientes sobre possível novo default

Agências classificadoras de risco reduzem notas do país e põem em dúvida eficiência das medidas para frear a perda de qualidade externa

ADRIANA KÜCHLER
DE BUENOS AIRES

Com dívida em alta e sem acesso ao crédito internacional, a Argentina volta a viver o fantasma do default, segundo informes de bancos estrangeiros divulgados na semana passada pela imprensa local.
"Os mercados começaram a se perguntar se o país está à beira de outro default", diz o informe do Lehman Brothers, sob o título "A Montanha-Russa da Argentina". Em seu último relatório, o Morgan Stanley atestou que os elevados gastos públicos do país anularão o aumento da arrecadação.
Os informes vieram à tona numa semana negativa para a economia argentina. Na segunda-feira, a agência de classificação de risco Standard & Poor's decidiu rebaixar a nota do país de "B+" para "B", cinco níveis abaixo do Brasil e do Peru e no mesmo nível do Paraguai, longe do grau de investimento.
O comunicado da agência destaca "os crescentes desafios econômicos e a baixa probabilidade de que o governo aplique medidas corretivas para frear a perda de qualidade creditícia". Na quinta-feira, a agência Moody's baixou a perspectiva da economia argentina de "positiva" para "estável".
Na segunda-feira, a Argentina teve de comprar títulos de sua dívida no mercado para frear a forte tendência de queda desses bônus, após a venda de US$ 1 bilhão em títulos para o governo da Venezuela, e dissolver os rumores sobre um novo default no país.
A presidente argentina, Cristina Kirchner, criticou as agências classificadoras. "Há alguns setores do "establishment" internacional que não nos perdoam pelo cancelamento da dívida com o FMI (Fundo Monetário Internacional)", disse ela.
Em 2001, o país entrou em uma grave crise política e econômica e declarou o calote da dívida, de US$ 144,22 bilhões, equivalentes a 54% do PIB (Produto Interno Bruto).
Em junho deste ano, a dívida argentina superou pela primeira vez os valores de 2001.
"A Argentina tem imagem de fraudadora no mercado externo. Sem credibilidade, ninguém quer emprestar dinheiro", diz Aldo Abram, diretor do Centro de Pesquisa de Instituições e Mercados da Argentina.
Uma série de fatores, além do default, teria destruído a credibilidade argentina no cenário internacional, segundo o economista. Entre eles, estão a falta de reconhecimento dos "holdouts" -detentores de títulos da dívida que não aceitaram a renegociação feita em 2005-, a dificuldade em negociar um débito de US$ 6,5 bilhões com o Clube de Paris, que impede a obtenção de financiamento externo, e a suspeita de manipulação do índice de inflação.

Gastos públicos
A Argentina precisa de financiamento já que o seu superávit primário (economia do governo para pagar os juros da dívida) é de 3,5% do PIB, enquanto necessita de 5% para se financiar. Apesar de manter bom nível de arrecadação, os gastos públicos do país, com sua política de subsídios, crescem cerca de 40% ao ano.
Nos últimos três anos, esse financiamento veio da Venezuela, que comprou, desde então, US$ 6,3 bilhões em títulos da dívida argentina.
"O país está isolado dos mercados internacionais desde 2001. É como se ainda estivesse em default técnico. Nesse cenário, estamos condenados a depender do financiamento da Venezuela", afirma o economista e ex-secretário de Indústria Dante Sica.
Há algumas semanas, a Argentina vendeu US$ 1 bilhão em títulos a taxas de 15% ao governo da Venezuela. Em seguida, o governo venezuelano os negociou com bancos do país, que começaram a liquidá-los, o que fez os bônus despencarem.
Segundo um representante do Goldman Sachs citado pelo jornal "La Nación", "é um paradoxo que um país que cresce a taxas sólidas ainda careça de acesso direto aos mercados e tenha de pagar 15% para colocar sua dívida".
Os valores se recuperaram com a recompra dos bônus pelo governo na semana passada. O ex-ministro da Economia Aldo Ferrer, referência de Cristina em temas econômicos, elogiou a ação de tranqüilizar os mercados. "Os mercados são muito temperamentais, às vezes se movem por motivos que não têm fundamentos em fatos. A situação da Argentina é sólida e é preciso transmitir segurança", disse à agência Telam.
Para os analistas, evitar o default é possível. "A fórmula é gastar menos e arrecadar mais. E negociar com o Clube de Paris para garantir outros financiamentos", diz Sica.


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