São Paulo, domingo, 17 de agosto de 2008

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ARTIGO

Recessão volta a assustar

CHRIS GILES
DO "FINANCIAL TIMES"

Para aqueles que não acompanham cada reviravolta dos dados econômicos, a semana passada causou certo choque. A dimensão das más notícias que surgiram sobre as economias avançadas do mundo era tamanha que nenhuma delas parecia isolada dos efeitos destrutivos da crise de crédito no Atlântico Norte. A semana começou mal, com relatório do Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) sobre a disposição dos bancos em conceder crédito. Em todas as categorias de empréstimos a empresas e a famílias, os bancos norte-americanos estavam cobrando mais por eles e hesitando mais em concedê-los. A demanda por crédito também estava fraca, o que é um mau indício para a economia norte-americana nos próximos trimestres. Diversos problemas econômicos no Reino Unido dominaram a primeira metade da semana. Em carta aos líderes empresariais do país, Richard Lambert, diretor geral da Confederação da Indústria Britânica, reconheceu que a federação de empregadores "havia sido consistentemente otimista demais com relação às perspectivas econômicas, ao longo dos últimos 12 meses". Em seguida, Mervyn King, o presidente do Banco da Inglaterra, disse que a inflação deve superar os 5% anuais nos próximos meses, o que significa mais de duas vezes a meta inflacionária em vigor. "É seguro, portanto, que existe a possibilidade de um ou dois trimestres de crescimento negativo", disse King. Até onde os economistas conseguiram interpretar os gráficos do banco central, estima-se que seja de 50% a probabilidade de que a economia britânica, dentro de um ano, seja menor do que é hoje. E isso, sob qualquer definição, representa uma recessão. O grande medo é o de que a atual desaceleração se torne um ciclo vicioso no qual a fraqueza da economia abala o já frágil sistema financeiro. Para muitos, o que parece certo é a veracidade do velho adágio que diz que, quando os EUA espirram, o resto do mundo pega um resfriado. A conversa sobre descolamento -capacidade das economias de se manterem firmes diante da fraqueza norte-americana- se provou completamente falsa.


DESACELERAÇÃO
-0,2%

foi a queda do PIB da zona do euro no 2º trimestre sobre o trimestre anterior, a primeira contração desde 1995

-0,6%

foi o quanto caiu o PIB do Japão no 2º trimestre em relação aos três meses anteriores, após nove meses de expansão




O professor Nouriel Roubini, da Stern School, parte da Universidade de Nova York, raramente tem rivais quanto ao pessimismo de suas previsões. Na semana passada, ele disse que "todas as economias do G7 parecem caminhar para recessões com aterrissagem dura". Ele mencionou a crise financeira, a compressão do crédito e da liquidez, o estouro das bolhas da habitação, a queda nas Bolsas de Valores, o fardo dos preços elevados do petróleo e das commodities, conexões comerciais com os Estados Unidos, a força do euro e a incapacidade das autoridades econômicas de reagir por medo de estimular ainda mais a inflação como uma mistura venenosa que "empurrará a economia mundial -e não apenas os Estados Unidos- a uma séria e prolongada recessão". Roubini insistiu que esse desastre para os países desenvolvidos porá fim à corrida ao chamado Bric (Brasil, Rússia, Índia e China), que até o momento continuava a crescer vigorosamente sem se preocupar com os problemas do G7 -o grupo de países mais industrializados. Ele argumenta que a China e os países asiáticos emergentes serão prejudicados pela queda nas exportações ao G7, que a Índia e outras economias emergentes com déficits comerciais sofrerão "uma súbita parada de capital" e que os exportadores de commodities serão prejudicados pela queda dos preços.

Otimismo
Mas, apesar de todos os números e previsões sombrios, há algumas causas de otimismo. É fácil atribuir os resultados fracos recentes de diferentes economias avançadas à mesma causa e propor uma conclusão espúria de que existe mais conexão do que de fato há entre as economias. Alguns dos números aparentemente péssimos do segundo trimestre seriam descritos com mais precisão como correção diante de um primeiro trimestre incomumente positivo. Na Alemanha, a economia se contraiu em 0,5% no segundo trimestre depois de crescer 1,3% no primeiro. O PIB (Produto Interno Bruto) ainda é estimado como 1,7% superior ao do ano passado, o que não é um mau número para a maior economia européia. O mesmo se aplica ao Japão, onde a contração de 0,6% no segundo trimestre se assemelha ao resultado do mesmo período de 2007, de modo que o indicador em termos de comparação ano a ano se reduziu apenas ligeiramente, de 1,2% no primeiro trimestre para 1% no segundo. Um segundo motivo para otimismo é que as causas subjacentes dos problemas econômicos são diferentes entre as grandes economias avançadas. Embora os preços altos das commodities estejam afetando domicílios de todo o mundo, a retirada de crédito, a queda nos preços dos ativos e o endividamento elevado dos consumidores parecem estar causando problemas apenas em países nos quais os mercados de habitação estão distendidos, como os EUA, Espanha, Irlanda e, potencialmente, o Reino Unido. O mais importante é que existem sinais de que o boom de commodities está se revertendo. Nem mesmo os combates na Geórgia, país que abriga um importante oleoduto para o mar Negro, conseguiram deter a queda dos preços do petróleo na semana passada, enquanto que, há apenas um mês, a situação certamente teria causado uma disparada de preços. David Mackie, do JPMorgan, diz que a queda nos preços das commodities atenuará a desaceleração. "Com o petróleo a US$ 145 por barril, a zona do euro estará em recessão; com o petróleo a US$ 115, ela estará simplesmente estagnada por algum tempo." A mudança nos mercados de commodities é sinal de que existem alguns estabilizadores automáticos na economia mundial moderna. Os preços subiram rapidamente enquanto a demanda crescia e a oferta decepcionava, mas com as boas notícias sobre a produção de petróleo surgidas na semana passada e sinais de que as safras estão melhorando, bem como indicações de queda na demanda, os preços despencaram, o que gera a perspectiva de uma melhora na renda das famílias.


Tradução de PAULO MIGLIACCI

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