São Paulo, quinta-feira, 19 de janeiro de 2006

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RECEITA ORTODOXA

Copom ignora vontade de Lula de corte mais agressivo e reduz juros em 0,75 ponto percentual, para 17,25%

BC rechaça pressão e mantém gradualismo

NEY HAYASHI DA CRUZ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O Banco Central manteve o conservadorismo e reduziu os juros básicos da economia em 0,75 ponto percentual. A decisão, unânime, foi tomada ontem pelo Copom (Comitê de Política Monetária do BC), que fixou a taxa Selic em 17,25% ao ano, mesmo índice de dezembro de 2004.
A medida era esperada pelo mercado, mas contraria o interesse do governo. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva defendia uma redução de um ponto, para dar mais estímulo à economia.
A intensidade da pressão sob o BC nos últimos dias pode ser medida pelo tempo de duração da reunião de ontem do Copom: o encontro, que normalmente leva pouco mais de duas horas para se encerrar, durou quase cinco.
O BC não deu explicações para a decisão. Em nota divulgada logo após o encontro, foi informado apenas que estava "dando prosseguimento ao processo de ajuste da taxa de juros básica" e que irá "acompanhar atentamente a evolução do cenário prospectivo para a inflação até sua próxima reunião, para então definir os próximos passos na estratégia de política monetária".
O corte de 0,75 ponto percentual foi unânime -no mês passado, dois diretores do BC haviam votado pela maior rapidez no processo de redução dos juros.
Desde o final de 2005, o BC tem promovido cortes graduais na taxa Selic. Em setembro, a redução foi de 0,25 ponto. Entre outubro e dezembro, 0,5 ponto por mês.
Sob essa perspectiva, a queda de 0,75 ponto poderia ser entendida como uma decisão mais agressiva do BC. Porém, a mudança do calendário das reuniões do Copom dilui esse efeito: a partir deste ano, os encontros do comitê deixarão de ser mensais e passarão a ser realizadas a cada seis semanas.
Dessa forma, um corte mensal de 0,5 ponto acaba equivalendo a uma redução de 0,75 ponto a cada seis semanas. O Copom só volta a se reunir em 7 e 8 de março.
Na cúpula do governo, havia a esperança de que o BC cortasse a Selic em um ponto percentual para estimular o crescimento da economia em ano de eleições. Mais uma vez, porém, o Copom optou pela via conservadora.
Não é de hoje que o BC é pressionado a acelerar o ritmo de redução dos juros, mas, a cada reunião do Copom, surgem novos sinais de que a economia não está crescendo como se esperava, aumentando a expectativa sobre o rumo da taxa Selic.
A queda do PIB (Produto Interno Bruto) entre o segundo e o terceiro trimestres de 2005, a redução do risco-país, o recuo do dólar, o forte aperto fiscal promovido pelo governo, tudo isso tem servido de argumento entre aqueles que defendem uma mudança no rumo da taxa de juros.
Na semana passada, o bombardeio sobre o BC foi ainda mais intenso. Do lado da economia, números decepcionantes referentes ao comportamento da indústria aumentaram as dúvidas em relação à força da retomada. E, de dentro do próprio governo, novas críticas: dessa vez do secretário do Tesouro Nacional, Joaquim Levy.
De acordo com dados divulgados pelo IBGE, a produção industrial cresceu 0,6% entre outubro e novembro -esperava-se que a expansão ficasse entre 1% e 1,5%. O próprio ministro Paulo Bernardo (Planejamento) chegou a dizer que "achava que ia dar um pouco mais".
Depois de divulgado esse dado, muitos analistas reduziram suas estimativas para o crescimento previsto para 2005, que agora estão mais próximas de 2%. Em 2004, o país cresceu 4,9%, e os números oficiais do ano passado devem ser conhecidos no mês que vem.
O secretário do Tesouro, por sua vez, reclamou que as análises feitas por analistas de mercado em relação ao futuro dos juros não refletem a melhora pela qual a economia brasileira tem passado -e insinuou que o BC tem sido conivente com a situação.
Levy, um dos principais assessores do ministro Antonio Palocci (Fazenda), disse que o BC "está confortável" com as elevadas projeções para os juros feitas pelo mercado, já que não se esforça em apontar essas distorções.
Em média, analistas do setor privado apostam que a taxa Selic vá encerrar 2006 em 15% ao ano. Confirmada a previsão, os juros reais -já descontada a inflação- continuariam perto de 11% ao ano, nível que Levy classificou de "colossal".
No mesmo dia das declarações de Levy, Palocci divulgou uma nota em que afirma que "desautoriza e desaconselha quaisquer manifestações públicas de membros de sua equipe sobre temas fora da competência funcional dos órgãos que dirigem".


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