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OPINIÃO ECONÔMICA
Serra em 2006
PAULO NOGUEIRA BATISTA JR.
Quais são as chances de Serra em 2006? O caso é curioso.
Ele talvez tenha mais dificuldade
de sair candidato do que de vencer as eleições presidenciais.
Aparentemente, o prefeito de
São Paulo suscita resistências expressivas no campo econômico-financeiro. É considerado independente demais. O "establishment"
nacional e internacional tem dúvidas a seu respeito.
Os donos do poder cultivam certos hábitos e procedimentos, que
estão razoavelmente consolidados. A sua preferência é por políticos anódinos, facilmente controláveis, que não tenham opinião
formada ou conhecimento próprio sobre questões econômicas.
Não basta ser tucano para inspirar confiança.
Comentário que circula no famigerado mercado: "Agora é o
Serra quem tem de escrever uma
"Carta ao Povo Brasileiro'". Não
sei se o leitor lembra desse antecedente desprimoroso. Durante a
campanha de 2002, como parte de
um amplo esforço para se mostrar
confiável e inofensivo, Lula assinou uma "Carta ao Povo Brasileiro". A tal carta recitava uma série
de obviedades, mas foi interpretada politicamente como "sinal de
maturidade" do candidato e como garantia de que a política macroeconômica não seria alterada.
Passou a ser conhecida como
"Carta aos Banqueiros".
No final do ano passado, antes
de participar de um debate sobre
política econômica, resolvi reler a
"Carta aos Banqueiros". Não vale
a pena. Mas quem quiser pode encontrá-la num site chamado "Bote Fé e Clique Lula" (sic). Detalhe
cômico: o site também traz a versão em inglês: "Letter to the People of Brazil". Quando mencionei
isso no debate, alguém da platéia
gritou: "Essa é a original!".
Serra faria o mesmo papelão?
Bem. Sou um brasileiro escaldadíssimo, como todos. Até prova
em contrário, temos que desconfiar de qualquer político. Desde
1986, o brasileiro foi submetido ao
que talvez seja a mais longa e variada lista de engodos eleitorais
da história política mundial. Mas,
como não há vida sem esperança,
continuamos procurando uma
saída.
Sabe-se que o prefeito de São
Paulo não é adepto da sabedoria
econômica convencional. Ao contrário, desde os tempos de Fernando Henrique Cardoso, Serra
tem sido um adversário persistente, dentro e fora do governo federal, do que passa por ortodoxia
econômica no Brasil. Nos últimos
dias, voltou a repetir as suas críticas às políticas de juros e de câmbio do governo Lula, que são, como se sabe, essencialmente as
mesmas do segundo mandato de
Fernando Henrique Cardoso.
Serra conseguiria mudar a política econômica? A capitulação do
governo Lula nesse terreno espalhou desânimo. Muitos se convenceram de que não existem alternativas politicamente viáveis. Segundo essa interpretação, o esquema de poder financeiro vigente seria fortíssimo e não haveria
como alterar a orientação da política econômica sem sofrer pesadas
represálias do mercado. A Fazenda e o Banco Central estariam,
para todos os efeitos práticos, fora
do alcance do eleitorado. Existiria, em suma, uma espécie de ditadura financeira.
O argumento seduz muita gente, mas nunca me convenceu. Basta olhar para o resto do mundo.
São poucos os países importantes
tão enquadrados como o Brasil. A
política monetária do Banco Central, por exemplo, é uma aberração sem paralelo. Não por acaso,
o Brasil tem crescido bem menos
do que a maioria das demais economias emergentes. Segundo estimativas da Cepal, entre todos os
países latino-americanos, só o
Haiti cresceu menos do que o Brasil em 2005!
O grupo de políticos brasileiros
que chegou ao poder em janeiro
de 2003 se caracterizava por uma
combinação impressionante de
despreparo e oportunismo. Nem
tentaram mudar a política econômica. Foi uma capitulação sem
luta.
Com alguma competência e coragem, é perfeitamente possível
reorientar a economia brasileira e
recolocá-la na rota do desenvolvimento.
Paulo Nogueira Batista Jr., 50, economista e professor da FGV-EAESP, escreve
às quintas-feiras nesta coluna. É autor
do livro "O Brasil e a Economia Internacional: Recuperação e Defesa da Autonomia Nacional" (Campus/Elsevier, 2005).
E-mail - pnbjr@attglobal.net
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