|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
LUÍS NASSIF
O conjunto Fascinação
Tinha cinco anos, lá por
volta de 1955, e Poços de Caldas era uma cidade pequena, porém enjoada. Tínhamos professores de piano, dos quais o mais famoso era o professor Fábio, que
praticava um sotaque francês enjoado e marcava o compasso falando "um, dós, um, dós".
Os alunos do professor Fábio se
apresentaram em uma "audição"
no cine Vogue. Lá fui eu, e toquei
Musette. De brinde ganhei uma
coleção de disquinhos infantis coloridos, aquelas obras-primas dirigidas por Braguinha, o João de
Barros.
Um dos que mais me encantavam era o da "Bandinha do Cazuza", uma historinha simples de
um menino que resolve montar
sua bandinha, e vai juntando instrumentos, um a um até virar
uma banda.
Começamos a montar a nossa
"bandinha do Cazuza" lá por
1963 ou 1964 no Grupo Gente Nova. Foi uma mixórdia para ninguém botar defeito. Começou pelos violões: o João Amaral, o Tomás Tarquínio e o Netinho. O
João seguiu a carreira de contador. Netinho, depois, virou Barbosinha, foi líder estudantil, preso
político, depois, presidente do PC
do B de São Paulo, depois dissidente, até morrer por problemas
renais. O Tomás foi presidente do
DCE da PUC justo em 1968, com
votação maciça do eleitorado feminino. Terminou exilado, mas
até hoje arranca suspiros de recordação das colegas.
A formação se desconformou no
momento seguinte. Não era o caso de pensar em uma estrutura
convencional e sair atrás dos músicos. Primeiro juntavam-se os
músicos, depois se pensava no formato. E foi assim que se agregou o
pistom do Arlei, que depois se formou geólogo pela USP. O Arlei
era tão sistemático que sempre
andava marchando e medindo as
passadas. Explicava que era para
a hipótese de se perder em um deserto e não correr o risco de, em
tendo um passo maior do que o
outro, andar em círculos.
O instrumento seguinte foi o
bongô do Adnei, que depois virou
prefeito de Poços. O Adnei imitava muito bem duas vozes das
mais improváveis do cancioneiro
internacional: o Ray Charles e o
seu Tião Pamonheiro, violeiro e
cantador de congo. Vocês já imaginaram um congo cantando "I
can't stop loving you"? Pois precisavam ter ouvido o Adnei.
O instrumento seguinte foi o
violino do Fontela, que hoje é advogado e autor anônimo de clássicos consagrados da literatura
erótica. Tinha um problema: os
agudos do violino enlouqueciam
os cachorros da vizinhança, nas
nossas serenatas. Mas quando a
gente tocava aquela música do
canário ("certa vez / um lindo canário eu vi"), o violino fazia um
trinado que deixava doente de
paixão todas as canárias da região.
Finalmente aceitaram meu cavaquinho com afinação de bandolim. Era o caçula da turma,
mas muito empenhado no sucesso do grupo, solenemente batizado de Fascinação -com brasão
bordado e tudo. Tanto que, numa
vinda a São Paulo, fui de ônibus
até a Casa Mannon e encomendei
partituras para nosso conjunto.
Quando descrevi a formação, o
vendedor achou que era gozação
de minha parte.
Montado o conjunto, a primeira música que ensaiamos foi a
nossa música tema. Depois fomos
tirando "La Barca", o "Relógio",
as músicas do Lucho Gatica, as
canções do trio Peter, Paul e
Mary, o Ray Charles, "Blue
Moon".
Com 13 anos, ainda era verde
para namoro. Mas posso garantir
que a turma inteira se tornou a
paixão das meninas e o terror dos
cachorros.
A tragédia nos atingiu no dia
em que o compadre Zé Tomé nos
procurou. Ele era locutor da rádio
Cultura e apresentava todas as
manhãs, com meu tio Léo (o
"cumpade" Léo) o programa "Alvorada Sertaneja". Pois o Zé Tomé, e sua voz de bronze, nos convidou para acompanhar a mais
nova crooner da rádio Cultura:
sua filha.
Alguma coisa não deu certo.
Acho que foi uma incompatibilidade de tons: o nosso nunca se encontrava com o dela, e vice-versa.
Liquidamos com a carreira dela,
e ela, em contrapartida, liquidou
com a nossa.
O certo é que a música de Poços
de Caldas saiu muito engrandecida do episódio.
E-mail -
Luisnassif@uol.com.br
Texto Anterior: Lições Contemporâneas: Globalização e império Próximo Texto: Panorâmica - Automóveis: Fiat reduz prejuízo para 1,9 bilhão Índice
|