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ANÁLISE
O orgulho japonês vai para a China
KEN BELSON
DO "NEW YORK TIMES", EM XANGAI
Não há mais hesitação. Agora até mesmo o maior orgulho do Japão, seus grandes fabricantes de eletrônicos, está tomando o caminho da China.
As empresas estão construindo
imensas fábricas e centros de pesquisa no país para aproveitar a
abundante mão-de-obra chinesa,
que é capaz de executar praticamente qualquer tarefa realizada
pelos trabalhadores japoneses.
Devido a pressões de custo, elas
esquecem os velhos temores de
roubo de tecnologia ou de publicidade desfavorável em seu país e
transferem empregos de alta remuneração para fora do Japão.
"No passado, nós hesitávamos,
mas agora já não se pode dizer o
mesmo", afirmou Hiroyuki Mineta, presidente do conselho da
subsidiária da Pioneer em Xangai,
enquanto caminhava pela fábrica
onde centenas de operários chineses estavam ocupados construindo 11 tipos de aparelhos de
DVD. "Temos de superar nosso
medo, ou não seremos capazes de
sobreviver no mercado."
Diferentemente da primeira geração de fábricas japonesas na
China, que produzia aparelhos
como máquina de lavar, ar-condicionado e equipamento de som
para venda principalmente na
China e nos países vizinhos, a fábrica da Pioneer, a uma hora de
carro do centro de Xangai, monta
os mais avançados bens de consumo eletrônicos e os exporta para a
Europa, os Estados Unidos e até
mesmo para o Japão.
Hiroshi Matsuo, da Sharp, diz
que sua empresa também está superando a vacilação. Como a
NEC, a Toshiba e outras, a Sharp
está em ação, recrutando engenheiros chineses para seus novos
laboratórios de pesquisa e desenvolvimento em Xangai.
Por enquanto, eles trabalharão
apenas em produtos cujo destino
é o mercado local. Matsuo diz que
os engenheiros japoneses do grupo são melhores no projeto dos
principais componentes que distinguem os aparelhos eletrônicos.
Mas os engenheiros chineses da
Sharp, que recebem salários equivalentes a um quarto da remuneração japonesa, estão reduzindo
esse diferencial de talento.
"Nossos principais executivos
temem exportar trabalho intelectual para a China", disse Matsuo.
"Mas, ao compararmos os engenheiros chineses e japoneses em
custo/benefício, a vantagem fica
com os primeiros. Eles têm mais
vontade. A maior parte dos japoneses já não se sente assim."
Um executivo japonês fazer
uma declaração como essa era
impensável alguns anos atrás. Os
gigantes da eletrônica japoneses
há décadas funcionam como símbolos de know-how e poderio
corporativo, com marcas mundialmente famosas, trabalhadores
bem pagos e bilhões em vendas.
Mas, com o estouro da bolha de
tecnologia e com a tendência para
a perda de distinção até mesmo
entre os produtos digitais mais
sofisticados, empresas que vão da
Sony e Matsushita às menores
companhias japonesas se vêem
sob crescente pressão de rivais cujos custos são menores, como a
sul-coreana Samsung e a Dell, que
terceiriza boa parte de sua produção para fabricantes instalados
em toda a Ásia.
O Japão investiu US$ 4,2 bilhões
de maneira direta em fábricas e
em outras operações na China em
2002, e o setor de eletrônica respondeu por mais de 40% do capital industrial investido.
Agravante
É improvável que o nível se reduza, pelo menos a curto prazo,
dizem executivos e especialistas
na indústria japonesa, especialmente porque o Japão aderiu relativamente tarde à tendência de
transferir a produção ao exterior.
Incluídos todos os setores industriais, as empresas japonesas realizam hoje cerca de um sexto de
sua produção no exterior, ante
27% das norte-americanas.
A transferência para a China está acontecendo não só em detrimento dos operários e das fábricas no Japão mas também de outros países do Sudeste Asiático, a
região para a qual muitos fabricantes japoneses se voltaram nos
anos 80 e no começo dos anos 90.
A Matsushita, maior fabricante
japonesa de eletrônicos, disse que
pretende eliminar 40% de suas
subsidiárias de produção e vendas no Sudeste Asiático até 2006,
porque os custos na região são
mais altos do que na China.
Em sua corrida para a China, a
Matsushita e suas concorrentes
fecharam dezenas de fábricas no
Japão, pressionaram dezenas de
milhares de operários a se aposentar mais cedo e cortaram o número de formandos que contratam das universidades japonesas,
o que reforça o temor de que empregos de alta qualificação estejam sendo perdidos permanentemente. E, de 1991 para cá, 2,5 milhões de empregos industriais desapareceram no Japão, uma queda de 25%.
Nos Estados Unidos, onde o
êxodo de empregos industriais é
uma história antiga, as leis trabalhistas flexíveis e um sistema financeiro favorável aos empreendedores fomentam a criação de
novos negócios. Mas as autoridades japonesas demoraram a relaxar seu controle férreo da economia, o que torna o país um dos lugares mais caros do mundo para
os negócios.
A relação entre o Japão e a China, repleta de antipatias e queixas
históricas, continua incerta. Os
comentaristas nacionalistas e os
sindicatos japoneses fazem da
China uma ameaça, um buraco
negro de empregos; mas, ainda
assim, os consumidores japoneses conseguem esticar sua renda,
estagnada ou em queda há alguns
anos, comprando produtos têxteis, comida e outros bens chineses baratos.
Benefícios
As novas fábricas que empresas
do primeiro time como a Hitachi
e a Fuji Film estão abrindo na China tornam suas matrizes no Japão
muito mais capazes de sobreviver
no mercado mundial. E a economia chinesa, que cresce e se moderniza rapidamente, é grande
consumidora de aço, máquinas e
equipamentos de controle japoneses, o que gera um importante
mercado para os bens de capital.
No geral, o comércio entre a
China e o Japão cresceu 34% nos
primeiros seis meses de 2003, para US$ 60,4 bilhões, um recorde.
Sem o comércio com a China, calculam os analistas, a economia japonesa poderia não ter crescido
em 2002.
As empresas japonesas dizem
que as tecnologias essenciais que
acionam a maior parte dos eletrônicos continuarão a ser desenvolvidas no Japão e enviadas para a
China em forma de "caixas-pretas" a serem instaladas nos produtos montados localmente.
Mas, para recuperar o investimento em pesquisa, muitas empresas japonesas agora começam
a licenciar até mesmo essas essenciais tecnologias para indústrias
chinesas, entre as quais alguns
concorrentes diretos, uma prática
que Yukio Shohtoku, um dos vice-presidentes da Matsushita, e
outros executivos reconhecem ser
uma possível faca de dois gumes.
Tradução de Paulo Migliacci
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